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quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Ontologia marxiana: a questão da dialética

Uma coisa que sempre pega o pessoal das ciências humanas (aqueles que têm a seriedade da pesquisa e do saber das categorias a serem estudadas) é a tal dialética. Assim, em uma conversa com o Frederico Lambertucci, pusemos a discuti-la.

Marx, partindo da crítica à concepção dialética de Hegel, dará importante contribuição às discussões em torno da dialética. Fundamental para isso será a concepção de homem elaborada por Feuerbach. Ele entende o homem como “sensível” e “concreto”. Karl Marx opõe a Hegel esse homem sensível de Feuerbach e ao homem espiritual hegeliano, Marx contrapõe o homem real feuerbachiano. De acordo com Marx, a atitude de Hegel é uma forma mistificadora da dialética.


Em Hegel, a dialética aparece como uma lógica abstrata que encadeia todo o movimento real. Mas, Marx confirma a dialética no processo real, na apreensão da efetividade da processualidade da matéria. A diferença é que a lógica está subsumida aos conteúdos ontológicos. A dialética em Marx não é a mesma dialética hegeliana. Ela não é uma lógica externa a um objeto: é sempre uma lógica interna de um objeto determinado, particular.

Marx critica a concepção dialética idealista de Hegel por atribuir ao espírito (uma entidade mística) a responsabilidade pelo desenvolvimento da história humana. Se o sistema hegeliano fazia tudo derivar da Ideia Absoluta, Marx defende que a consciência, o pensamento, a ideia são apenas reflexos da realidade material.


Marx não só vira a dialética – e essa ideia é stalinismo puro – não é apenas pegar a dialética e virar ela de ponta à cabeça. A dialética em Hegel é o seu para-si, em outros termos, ela mesmo encadeia o real em sua processualidade até o devir do Absoluto. É uma força abstrata que vai se complexificando através dos processos de síntese, que tem seu desenvolvendo expresso nas categorias. Encadeia tudo no interior da tríade: “Tese - Antítese – Síntese”. Hierarquiza o real no processo de aliená-lo. A Ideia vai se desenvolvendo através desse pôr.


Contudo, o motor da história para Hegel é justamente essa contradição central entre Ideia e sua alienação o mundo material. Marx critica a concepção dialética idealista de Hegel por atribuir ao espírito (uma entidade mística) responsabilidade pelo desenvolvimento da história humana. Ao contrário de Hegel, Marx propôs outro sistema, o materialismo histórico e dialética. Se o sistema hegeliano fazia tudo derivar da Ideia Absoluta, Marx defende que a consciência, o pensamento, a ideia são apenas reflexos da realidade material.

Um exemplo: a gravitação possui uma lógica. E só existe porque os planetas se alinharam de tal forma e possuem certa massa, etc. Mas, a lógica da gravitação não é universal – é particular desse forma ontológica determinada. Hegel pensa em uma lógica universal. Em Marx, não existe nada disso. A lógica é sempre de um objeto real e determinado, portanto, as categorias são ontológicas. 

A obra de Marx só é possível dado o aparecimento do proletariado no plano histórico-concreto. Exatamente por isso é impossível uma nova teoria social. O que de fato fez Marx, diferente de partir de um “método dialético” (que enquadrava coisas numa ordem lógica), buscou a lógica de um objeto, entendê-lo a partir de si, extrair dele suas diferenças específicas e, assim, compreendê-lo dentro de suas especificidades.


Algo de errado não está certo aqui

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Alienação e manipulação política por meio da mídia

Desde há uns quarenta anos, assiste-se a um agrupamento progressivo ‘dos médios’ (das mídias) no seio de trusts internacionais. Atualmente, 14 grupos partilham entre si mais de dois terços da imprensa ocidental (21st Century Fox, Bertelsmann, CBS Corporation, Comcast, Hearst Corporation, Lagardère Group, News Corp, Organizações Globo, Sony, Televisa, The Walt Disney Company, Time Warner, Viacom, Vivendi). 

Agora, a aliança operada pelo Google Media Lab e a First Draft tece laços entre estes grupos que detinham já uma posição dominante. A presença nesta Entente das três principais agências de imprensa do planeta (Associated Press, Agence France-Presse, Reuters) Assegura-lhe uma influência hegemônica. Trata-se sem nenhuma dúvida de uma entente ilícita estabelecida com um objetivo de fixação das mentes e imposição de um pensamento já dominante.

A estratégia da gradualidade, tal como faz a mídia, colocando aos poucos “coisas inaceitáveis” de forma a fazer com que a população aceite de “bom grado” como algo satisfatório. A mídia expõe o seu modelo de sociedade e as pessoas sem consciência de si seguem o seu papel, alienados pelo protótipo feito como manequim.

Os veículos de mídia como a Rede Globo (e suas derivadas) forma uma multidão de patetas assalariados com narizes de palhaços vestidos de verde e amarelo se achando “dazelite” enquanto usa a corrupção de um único partido para cortina de fumaça para votar em corruptos de outros partidos e apoiando um presidente picareta e sua trupe entreguista e sabotadora. Cinco das seis televisões internacionais que participaram na célula de propaganda da OTAN (Al-Jazeera, BBC, CNN, France24, Sky, mas aparentemente não a Al-Arabiya).

Aceitar a ideia do “Quarto Poder” (ou o poder da mídia como implementadora de ideias) implica que se assimile a mesma legitimidade aos 14 trusts, os quais controlam a grande maioria das mídias ocidentais. O que se pode afirmar a substituição da democracia representativa burguesa por uma oligarquia déspota.

A “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” em 64 mostrou, por exemplo, como o brasileiro médio é moldável, alienado, analfabeto histórico e apolítico. Temiam um golpe comunista que nunca existiu, nem em 64 e muito menos hoje. É o baixo intelecto seguido de um daltonismo social com alta influência religiosa.

Essa alienação midiática permite ou impõe que a sociedade pare, escute, absorva e aja como marionetes em meio a tanta informação distorcida e muitas vezes inúteis – especialmente para uma massa que vive numa bolha ideológica.

Lembro-me recentemente um livro lido de Noam Chomsky intitulado Mídia: propaganda política e manipulação, onde ele diz que “a propaganda está para a democracia assim como o cassetete está para a ditadura”. E de fato a analogia é perfeita. A democracia representativa só se sustenta através de um canhão de informações distorcidas, espetacularização da tragédia e do sofrimento alheio.

E nada mais justo com o passar do tempo o brasileiro alimentar um ódio de classe idiota. Um puro analfabetismo político mascarado em meio às “soluções imediatas”. Digo isto, pois Walter Lippman, em seu livro Public Opinion (1922), diz “os fatos mais importantes da vida política só podem ser compreendidos por uma classe de executivos ou uma elite especializada”, porque “é preciso afastar as manadas ignorantes dos assuntos de interesse público e privado”.

O Brasil possui hoje um sistema que pode ser chamado de “capitalismo selvagem”: está entre os dez maiores PIBs mundiais, mas a desigualdade social é gritante (como em quase toda a América Latina). Os programas de televisão buscam audiência e, para isso, a programação precisa ser de um baixo nível intelectual para acompanhar a grande massa e gerar lucros. O próprio Lippman neste mesmo livro propôs ao monopólio do poder midiático “fabricar um consenso” para tranquilizar o rebanho para não se rebelarem quando tomarem consciência de si e da verdadeira realidade concreta.

Cabe a nós, portanto, sair dessa manada e, também, buscar meios de não cairmos em jogatinas, pois a mídia sabe muito mais de nós do que sabemos dela. O senso comum é um falso consenso criado, empurrado goela abaixo. Noam Chomsky chama atenção em que “todo discurso (midiática e religiosamente) é feito para fazer o indivíduo acreditar que ele mesmo é a única causa do seu próprio insucesso e da própria desgraça. Que o problema é individual e não tem nada a ver com o social”.

O indivíduo vivendo nas mazelas da vida – ou no conforto de sua bolha que está prestes a estourar – vê-se em duas circunstâncias imbricadas entre si: subestima-se e se desvaloriza, apoiando-se em quaisquer falsas promessas porque a “culpa” é do ser pelo seu desemprego, pela falta de estudos e não do sistema, e; absorve cegamente a intencionalidade das ideias dominantes e caindo no autoflagelamento que o joga num verdadeiro “vale de lágrimas” num imediatismo tacanho desprovido de qualquer autocrítica – os ditos reacionários.

Em suma, opinião pública não existe. O que existe é opinião publicada. As galinhas só podem expulsar as raposas do galinheiro quando estão unidas e dispostas o suficiente para fazê-lo.



mas diz o "moralista" que é "pensante" tsc tsc...

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

“Anarco-capitalismo”: a nova seita religiosa dos ideólogos virtuais


Vejo nos círculos dos “ateuzinhos” de Internet, especialmente quando se trata dos ateus liberais de direita, uma sapiente crítica ao “malvado” Estado, onde na mais alta “intransigência”, de aspirantes à ciência, sustentando e disseminando uma nova religião: o anarco-capitalismo. Como dizem os evangélicos, devemos amar o pecador, não o pecado.

Se a descrença em divindades pressupõe um ateísmo ou um agnosticismo (porque o ceticismo é o modo pelo qual se faz “ciência”), os devotos desta nova doutrina coabitam os círculos “científicos” – fora dele já não espero outra coisa além de estupidez e um crônico analfabetismo político.

Apesar de alguns desses discípulos serem “inteligentes”, “questionadores” e, mais além, “RACIONALISTAS”, a teoria não é coerente, nem sensata, bem construída, e muito menos racional. Mas por que?

Ora, porque esta mitologia não corrobora a realidade! Assim como a teologia cristã tenta explicar as origens das coisas por meio de um livro histórico, os devotos do ancap tentam “propor” uma regra-geral: IMPOSTO É ROUBO.

Anarquia com capitalismo é um antagonismo. É como defender água seca, luz escura, paz violenta. Explico: uma anarquia é um sistema onde não há governos. Não há leis a serem seguidas. Não há nem democracia, nem voto. É o sistema do “pode tudo” e seja o que Deus quiser (neste caso, o Deus-mercado). Aliás, nem mesmo o que “Deus quiser”, uma vez que a maioria dos anarquistas teóricos rejeitavam Deus e até Proudhon disse: “Deus é o mal”. Mas, ao que parece, para os ancap’s, Deus é o capitalismo e o imposto é o Satan!

Vejam bem: para haver capitalismo é necessariamente obrigatório o Estado para garantir a propriedade privada. Ou seja: é necessário que haja algum tipo de instituição, por menor que seja, que garanta esse consenso no local – ou, o contrato social, basicamente.

O Estado é fruto das relações de produção. É indiscutível isso. Nele que sistemas baseados na propriedade e no lucro se resguardam. “Mas os impostos alimentam a máquina estatal”. Assim como a mais-valia é negligenciada pelos “céticos-ideológicos-anárquico-capitalistas”.

Os “teóricos” dessa Santa-Ideologia mercantil suplicam arduamente que o “Estado tira do trabalhador” e por isso o ‘imposto é roubo’. É das mais risíveis argumentações e rigidez pelo qual eles vociferam por aí, porque dentro de seus gabinetes defecam seus idealismos para encaixotá-los na realidade.

E nossa realidade é dura para esses defensores da ciência que debocham dos cristãos. São faces da mesma moeda: de um lado um teorismo pedindo o porquê do imposto não ser roubo e do outro imploram para explicar “quem criou o mundo” ou “se o homem veio do macaco, por que até hoje macacos não viram homens?”. O ônus da prova é o recurso argumentativo de ambas religiosidades: você não explicou, logo estou certo. Assim é o pressuposto “rígido” dos ultra-questionadores das ciências sociais.

Vamos ‘materializar’ isso: anarquia é ausência de governos. Capitalismo é coerção. Portando, quando é “tudo liberado” o poder dos micro-governos atua, pois se quando um grupo detém o monopólio “legal”, outros serão obrigados a se submeterem. Espera! Isso não parece um “Estado”? Sim, não só parece, mas como de fato é um “Estado-Privado”. Capitalismo é coerção, repito.

Entendo que muitos jovens pensam que a tendência é “liberar geral” e onde cada um será “livre para sempre”. Entretanto, masturbar em praça pública olhando para mulheres desconhecidas não deveria ser tão liberado assim. Eu sei que muitos “céticos” já ligaram o “foda-se” porque o Estado não pode sair proibindo “todas as formas de amor”. Mas quando o vizinho estiver mantendo relações sexuais com crianças no meio da rua, essa proliferação de más ideias não irá parecer tão bonitinha quanto no slogan. Porque o Judiciário sequer existirá e, também, o contrato social é inexistente – por isso o Estado é inexorável na sociedade atual.

Mas estamos numa anarquia capitalista onde não há um governo para cuidar de sua retaguarda caso você queira bancar o herói contra a pedofilia. E se você conseguir salvá-las e ainda chegar com vida em sua propriedade? Sempre há o risco do pedófilo buscar justiça num desses tribunais privados que concordam com ele. Enfim, vencerá o mais forte desses microgovernos.

Outro exemplo concreto para os sacerdotes do “imposto é roubo” pensarem: imaginem o caso em que o dono de uma rua que cerca sua casa o proíba de transitar por ela (nesse mundo de algodão doce onde tudo é de alguém), isolando-o ao ponto de comprometer sua integridade física. Após isso surge o questionamento: “mas o que o imposto tem a ver com isso?”.

Respondo: o imposto é parte indissociável da organização social e do convívio entre todos. É parte desse contrato social. O imposto é para que esse todo possa, no mínimo possível, ter a liberdade de, ao menos, transitar às ruas, não ser assassinado porque impediu um pedófilo de molestar alguém ou evitar um estupro a uma mulher que passava numa rua “privada” e por aí vai...

O imposto não é roubo, porque roubo é uma coisa e imposto é outra. Essas falsas analogias de “um cara que te assalta e pega seu dinheiro é como o Estado que pega nosso dinheiro como impostos” é só um devaneio ideológico tupiniquim de quem ainda estoura espinhas na cara – e o pior: parece não viver em um mundo real, mas aquele fantástico mundo unicorniano da rebeldia dos ateuzinhos-céticos devotos de uma teologia que vai só até onde a mãe entra no quarto e manda arrumar a cama – ou dos adultos “inteligentes” frustrados pelas circunstâncias da vida, sabe-se lá o motivo.


vá com Deus!


Adendo: um leitor do blog, Euclécio Josias Rodrigues, fez um comentário acerca do texto que deixo aqui para complementá-lo:

“Poderia ter ido mais longe nas analogias, p. ex., explicar como seria difícil manter a ordem, as propriedades sem a máquina pública; demonstrar mais qual o papel do Estado na manutenção, regulação e fiscalização dos mercados; qualidade dos produtos; ordem social; segurança, etc. Uma analogia que poderia ser usada ali é “seres do mesmo bairro” (claro, em uma hipotética realidade em que o ancapismo aconteceu): estes seres resolvem instalar uma rua asfaltada e iluminada para melhorar o acesso, então os vizinhos vão combinar entre si um valor e pagar, porém, para ficar justo, eles criam um valor padrão para todos, isso já é uma forma de imposto. Em outras palavras: você pode argumentar que é algo que partiu da necessidade dos indivíduos os quais resolveram pagar. Ok, então imagina que algum resolve não pagar “não pode utilizar a rua”, poderiam dizer “mas aí, quem iria fiscalizar se ele está usando ou não?” e se ele usar quem iria punir? Os vizinhos se reuniriam e iam tomar alguma atitude... pronto, temos um novo tipo de organização social com impostos que, caso alguém não pague, ele será punido.

Você está percebendo alguma relação com a forma como o Estado funciona hoje? Se sim, não se preocupe, é para isto que o Estado surgiu: a diferença é que ele existe há anos e todos estes pormenores já foram solucionados, já foram pensados nas várias consequências, nas causas e efeitos, nas punições, nos julgamentos do que é justo e o que não é isso evoluiu e foi aprimorado tanto através de séculos que se tornou na sociedade que é hoje com organizações sociais divididas, basicamente, em 3 poderes: judiciário, executivo e legislativo. Claro, não é perfeito e ainda temos muito o que evoluir, muitas falhar e buracos a tampar, mas, sem uma organização social, voltaríamos para o início do neolítico.

No mais, gostei das críticas como falar na formação de um Estado-privado – e como este sistema tornaria uma espécie de ditadura de quem tem dinheiro pode falar também sobre como, sem uma organização forte reguladora e fiscalizadora poderíamos garantir a qualidade dos produtos; garantir a segurança de alimentos e equipamentos perigosos; é necessário a criação de órgãos reguladores: e como estes funcionariam de forma privada? Seria impossível porque se assim for, aqueles que tem dinheiro sempre vão garantir a “qualidade” do seu produto e até podem usar estes órgãos para dizer que os produtos dos concorrentes (mais pobres) não é seguro. A solução seria montar uma organização mais democrática, com participação de todos os envolvidos, fiscalização e etc. para tais funções é necessário funcionários; para pagar os funcionários e não dar vantagem pra ninguém, teria que ser cobrado uma taxa padronizada, e, olha só, cria se outro tipo de imposto e cria um serviço de regularização/fiscalização público.”


Adendo 2: outro leitor, dessa vez o Frederico Lambertucci, comentou:

“Você podia falar da questão da mais-valia Mehwert, camarada.O imposto é uma parte da mais-valia circulando em posse do Estado ou parte do Kapital vivo. No caso dos salários: o que constitui o lucro do capitalista? Em termos universais? É a conversão da Mais-valia em lucro. A parte destinada aos impostos é parte da mais-valia. Bem como aquela que vira juros, a parte dos salários que é paga em imposto. É a parte do trabalho vivo, ou Kapital vivo.

Logo, tudo o que circula em posse do Estado é o trabalho excedente e parte do trabalho necessário, ambos produzidos pelo trabalho que produz mais-valia, aquele chamado produtivo. Nesse sentido, a reclamação dos liberais é que os capitalistas não se apropriam de toda a mais-valia, mesmo que se apropriem de grande parte. Os Grandes capitalistas nunca irão reclamar de impostos. Isso porque a maior parte da carga tributária é reconvertida para eles via empréstimos, dívida pública e etc.

Só meia dúzia de liberalecos que acreditam em meia dúzia de capitalistas, que são na realidade os setores da pequena burguesia, que realmente sofrem com essa apropriação da mais-valia produzida por eles por outros setores que acha ruim a carga tributária.”

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Rock e conservadorismo: falha ideológica do fã mirim reacionário




É perceptível que o rock sempre foi um estilo musical “rebelde”, libertador e, mais além, falando sobre o que tinha vontade, saindo do senso comum e, portanto, não se importando com a reação das pessoas. Engajado em criticar dogmas religiosos, opressão das instituições estatais, valores morais contemporâneos e fundamentalistas.

Quando nasceu, o rock tinha esse instinto de ir contra aquilo que era conservador (manter o estado de coisas como é), ou seja, colocar às mostras aquilo que não era libertário. E, assim, não demorando para “demonizá-lo”, até mesmo usando a Bíblia.


“Sexo, drogas e rock n’ roll”


Não se sabe exatamente donde surgiu essa frase, mas é fato que se popularizou até virar lema do estilo musical de forma a resumir bem o estilo de vida dos próprios músicos e amantes. Era, inclusive, livrar-se de suas vidas enfadonhas em meio a um sistema coercitivo e careta.

Como o rock é música, arte, é também uma forma de se expressar. Portanto, é irrestrito o modo com que se coloca a escrever as músicas e suas mensagens. A liberdade de expressão é pressuposto básico e não apenas em si, mas à exterioridade, por ex.: ao criticar códigos morais e culturais sem base ética e/ou repressora.

Na verdade, chega a ser incoerente a autodenominação de “roqueiro” e levar uma vida com um pensamento reacionário, conservador, moralista, fundamentalista e desprovido da ampla liberdade civil. Uma pessoa “do rock” tem dever moral contra as injustiças da vida política, compromisso através da arte disseminar boas ideias e mais: fazer de ideias atitudes, e delas, uma nova realidade. Cazuza uma vez disse:


“Nós gostamos de rock e somos loucos
Eles fazem besteiras e são normais
Que vivam os loucos de boa cabeça
E pela metamorfose da vida se tornem ‘malucos beleza’”.


Geralmente essa galera são os jovens, cheios de energias, ideias e disposição. Entre uns e outros, se ajeitam em meio as dificuldades financeiras para estarem sempre ali com o pessoal “para o que der e vier”, etc.

Mas, ser jovem é necessariamente ser rebelde, progressista e de opor-se ao que se está estabelecido? Não, infelizmente não. Pode até ser contrário a algumas coisas de gerações anteriores, mas na formação ideológica reflete o ambiente em que vive (vida “selvagem”, pensamento idem); ser criado de forma a manter o status quo e, assim, se tornar um “rebelde sem causa”, um retrógrado, mesmo quando as espinhas ainda estouram em sua pele e sua mãe ainda traz o café com leite com biscoitos antes da escola.

Renato Russo (que, sinceramente, se tivesse ainda vivo seria um desses neoconservadores) escreveu na música “A Dança”:


“Você é tão moderno
Se acha tão moderno
Mas é igual a seus pais
É só questão de idade
Tanto fez tanto faz”


No brasil atual, os “revoltados” são muitas vezes jovens que se dizem fãs de Pink Floyd e não compreendem o que é a música “another brick in the wall”.

A prova desse reacionarismo e neoconservadorismo associado ao Rock é perceber que a “rebeldia” nos anos 80 de roqueiros como Lobão, Roger (Ultraje à Rigor) e, também antigos “críticos ao sistema”, por ex. Fernando Gabeira que hoje é só um velho ranzinza e careta.

A poética das bandas de rock dos anos 80 reflete esse cinismo em relação ao futuro em versos como “é melhor viver dez anos a mil do que mil anos a dez” (Décadence Avec Élégance do Lobão) ou “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã” (Pais e Filhos do Legião Urbana) ou o niilismo do Barão Vermelho (Roberto Frejat) em “Ideologia”.

Em suma, em outra postagem já havia dito sobre o rock e seus “fãs” tupiniquins atuais: haviam os “vândalos” de boa consciência na época que apenas quebravam os ‘bons costumes’ com a classe dominante e, pasmem: surgiam da mesma; Cazuza, Ratos do Porão, Inocentes, entre outros. Eles não eram ideólogos conservadores, mas pelo contrário: eram, sobretudo, artistas que faziam de seus talentos críticas sociais, rompendo com aquilo que julgavam não ser libertário, de progresso, etc. Hoje em dia, existem muito “fãs” que não entendem isso – a quebra de um pensamento ultrapassado.

Mas ainda finalizo: ser “roqueiro” e conservador é, portanto, algo incoerente, típico de quem lê e não compreende o que está escrito. No caso do rock, ouve e curte, mas desconhece seu significado, ou só é mais um “rebelde sem causa” como o próprio Roger cantava. Até porque ser “roqueiro” não é pagar de descolado com a galera para ser cool e “diferentão”. O estilo vai além da simples musicalidade; é arte e ideologia.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Por que o socialismo é necessário?

A pobreza não é uma escolha

Hoje, dia 06/09/2016, abro meu Facebook, como de costume, após chegar cansado do trabalho, e me deparo com uma notícia que me deixou pessoalmente pensativo. A notícia era do site da BBC Brasil com o seguinte título: “Crise leva famílias para baixo de viaduto”. 

Não para menos, me veio à mente; “é disso que os socialistas tratam! É disso que trata o socialismo!”. E não para menos. O capitalismo, como sistema econômico, já esgotou suas forças produtivas; suas crises são cíclicas; as contradições são inerentes a este sistema que causa desumanidade para um fim – vulgo dinheiro –, que cega e aliena todos nós.

Voltando ao assunto da matéria da BBC, nela está a seguinte informação: “Realizado em 2015, o levantamento da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) revela que, na capital paulista, existem pelo menos 15.905 pessoas em situação de rua – quase o dobro comparado a 2000, quando eram 8.706. A alta foi de 82%.”. Enquanto muitos dormem as ruas, outros poucos se enriquecem cada vez mais, como numa matéria da UOL Economia intitulado: “Apesar da crise, aumenta o número de brasileiros em ranking de bilionários”


A atual população mundial com cerca de 7,2 bilhões, segundo a ONU, dos quais 18 milhões de mortes por ano devido à pobreza, a maioria delas de crianças com menos de 5 anos (OMS); 924 milhões de “sem teto” ou que vivem em moradias precárias (UN Habitat 2003); 1,02 bilhões têm desnutrição crônica (FAO, 2009), etc. Sustentar a ideia de que um sistema degenerado possa suprir nossas necessidades como um todo e homogeneamente, é ignorar a realidade concreta.

Nem no “berço do capitalismo” as coisas andam bem por lá: “Os números são bem menores do que os de cidades como Nova York, onde o Departamento de Serviço para Desabrigados calcula haver 57 mil moradores de rua, a maioria dormindo em abrigos públicos. A população de São Paulo é 50% maior do que a da cidade americana”, diz a mesma matéria da BBC. O colapso do capitalismo segrega pessoas e desumaniza-nos. Daqui em diante, é ‘socialismo ou barbárie’.

A superação do capitalismo para estabelecermos uma nova sociedade vem do advento não tão somente do socialismo corrigir tais contradições, mas no sentido de reorganizar a sociedade. Para o filósofo húngaro Istvan Mészáros, a saída para a ‘crise estrutural’ passa necessariamente por uma tomada de consciência mundial. “É preciso uma ação global unificada, com uma visão estratégia de fundo político, para que sejamos capazes de encontrar uma solução para essa crise estrutural”.

Pegamos como exemplo EUA vs URSS: os EUA não dispõem de um sistema público de saúde, o que condena diariamente 125 trabalhadores à morte. Tal não se passaria na URSS, que oferecia cuidados médicos gratuitos a toda a população. Os jovens norte-americanos contraem uma dívida média de 80 mil dólares durante a licenciatura. Na URSS, todos os graus de ensino, do pré-escolar ao pós-doutoramento, eram gratuitos. Na terra do Tio Sam os trabalhadores gastam metade do seu salário em habitação e serviços básicos. Na URSS, as despesas representavam 2% do orçamento familiar e os serviços básicos 4%.

Cuba possui o melhor sistema de saúde público e gratuito de todo o continente. Seu sistema educacional gratuito abrange toda a população. Seu índice de analfabetismo é o menor da América Latina, assim como da desnutrição infantil. Seu índice de desenvolvimento humano (IDH) também é o maior. Ainda convém lembrar uma célebre frase de Fidel Castro: “milhões de crianças dormirão nas ruas hoje, nenhuma delas é cubana”.

O grande historiador britânico Eric Hobsbawm escreveu que “os problemas do mundo não podem ser resolvidos nem por uma social-democracia – ou ao menos o tipo de social-democracia existente na Suécia e talvez na Áustria, que ainda está à altura do nome que tem – ou por uma “economia de mercado social”.²


“O futuro do socialismo assenta-se no fato de que continua tão necessário quanto antes, embora os argumentos a seu favor já não sejam os mesmos em muitos aspectos. A sua defesa assenta-se no fato de que o capitalismo ainda cria contradições e problemas que não consegue resolver e que gera tanto a desigualdade (que pode ser atenuada através de reformas moderadas) como a desumanidade (que não pode ser atenuada)” – Eric Hobsbawm


Os socialistas estão aqui para lembrar principalmente que devem vir as pessoas e não a produção. As pessoas não podem ser sacrificadas em nome do ‘crescimento econômico’. O socialismo tem a tarefa de libertar das amarras que estamos presos; onde tudo é mercadoria; nosso “tempo é dinheiro” e a nossa liberdade proporcional ao nosso bolso.

Os socialistas exigirão não apenas uma sociedade melhor que a do passado, mas, como sempre sustentaram, um tipo diferente de sociedade. Uma sociedade que não é apenas capaz de salvar a humanidade de um sistema produtivo que perdeu o controle, mas em que as pessoas possam viver dignamente como seres humanos: não apenas no conforto, mas juntas e com justiça.

É por isso que socialismo é necessário como sempre foi – ainda mais nos tempos atuais. 




Referências:

1) Matéria da UOL Economia: 

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Por que há tantos “capitalistas” pobres?



Certamente você já viu a propaganda de uma empresa de carnes cujo personagem animado é um frango. Este frango faz propaganda em que outros frangos sejam abatidos e assim comercializados entre os consumidores.

Essa propaganda me lembra perfeitamente o famoso “pobre de direita” (ou ‘capitalista’). Por que? Ora, um frango que faz propaganda para que outros frangos sejam abatidos, é a mesma lógica de quem defende um lado que governa apenas para interesses da classe dominante – ou seja, a direita.

Ainda que governos “de esquerda” pouco governem para seu povo analisando o quadro sociopolítico das dificuldades encontradas frente ao poder do capital. A direita acusa a esquerda de piorar a economia, dizendo que a economia é a coisa mais importante para o povo. A direita dá um golpe e governa em prol da economia e em detrimento do povo.

Mas, sobretudo, devemos nos ater que ser ‘de direita’ é algo “natural” para quem nasceu no seio de uma sociedade capitalista. Nesta onde são exacerbados o individualismo e a “competitividade”, não seria surpresa, um pobre alimentar um ideário que o corrói em sua carne.


Para essa “naturalidade”, o filósofo e um dos pilares da sociologia clássica, Karl Marx, em parceria com também sociólogo Friedrich Engels, escreveram: “As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. (...) As ideias dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como ideias; portanto, a expressão das relações que tornam uma classe a classe dominante; portanto, as ideias de sua dominação.” (Ideologia Alemã).

Como uma vez escreveu o amigo Rennan Ramazini: “o brasileiro, no geral, odeia política e vive na frente da televisão. Não é difícil ouvirmos por aí aquele discurso cancerígeno de que ‘política e religião não se discute’; o resultado disso é que somos um país de analfabetos políticos altamente religiosos – um prato cheio para direita conservadora e liberais exploradores.”

Como estamos no seio dessa sociedade capitalista, onde essa ideologia que molda a personalidade inconscientemente, a falácia do “trabalho dignifica o homem” é parte do dogma meritocrático dos mais aventurados financeiramente, um dogma dos mais idealistas e mentirosos por sinal.

Competição no capitalismo não passa de discurso que explora a desigualdade. Mas de forma que impossibilita a busca por sistemas sociais mais inclusivos e abrangentes, por uma alternativa à economia de mercado. É um ideário conservador e retrógrado acima de tudo.

O interessante nesses pobres “capitalistas” que além de acreditarem no mito da meritocracia, criticam medidas afirmativas adotadas pelo Estado (cotas) para que eles próprios tenham direito, como; Universidades democratizadas, bolsas de estudos, programas de financiamento estudantil a fim de ampliar vagas e qualificação técnica, reduzindo as desigualdades sociais e econômicas que se beneficiariam; ao mesmo tempo que não se indignam com eleições de políticos corruptos, cargos comissionados, funcionários públicos fantasmas, bolsa-empresário (vide BNDES), sonegações de grandes empresas, trabalho escravo, baixos salários, etc.

Além disso, cabe um olhar materialista sobre a religião, salientando as origens e formas de opressão e exploração das classes trabalhadoras. Criada pelo homem, em específico pelo homem que domina o homem, a religião constrói um mundo que não existe. A religião é uma superestrutura, sistema ideológico, que fundamenta a dominação e exploração do povo.

Agindo como um anestésico ou um ansiolítico, uma droga que amortece os sentidos, “a religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração, assim como o espírito de estados de coisas embrutecidos. Ela é o ópio do povo” (MARX, p. 145). De forma que “a religião é apenas o sol ilusório que gira em volta do homem enquanto ele não gira em torno de si mesmo. […] A crítica do céu transforma-se, assim, na crítica da terra, a crítica da religião, na crítica do direito, a crítica da teologia, na crítica da política” (MARX, p. 146).

O pobre ‘capitalista’ vive de forma que a ideologia dominante destrua alternativas de sobrevivência das classes trabalhadoras excluídas do mercado de trabalho na forma perene ou esporádica. “Bandidos”, “prostitutas”, “traficantes”, “mendigos”, “vagabundos” sempre foram os alvos preferidos do poder punitivo no capitalismo – e nesses adjetivos, se encontra o ‘pobre de direita’ ou o ‘pobre capitalista’. *

O poder político, ideológico e econômico é das classes burguesas. As classes que controlam o Estado, a produção de riquezas e cria a ideologia dominante. Prova disso é a questão proibicionista das drogas legitimando o extermínio policial contra a população pobre e negra, contra os marginalizados por esse conservadorismo social que acabam por acometê-los. Defendem a política de tortura e matança de detentos como se fosse uma solução para a criminalidade urbana, além da forte repressão estatal contra eles próprios.

Mesmo que muitas ideias sejam defendidas ferrenhamente por grupos mais vulneráveis e susceptíveis a caírem ainda mais à margem da sociedade. Então o pobre, em seu anseio de alcançar patamares maiores que consegue chegar, acreditar na utopia que ‘com o tempo as coisas melhoram’, enquanto se sufoca com contas a pagar, destruindo a ilusão de ascensão econômica e caindo no lamaçal que o joga no esgoto da amargura. E a ideia da doutrina “liberal” chegando com um discurso sedutor e atraente a ele, faz com que este pobre coitado nutra suas ilusões como “concretizáveis”, sendo fiel a uma falsa e demagoga promessa de “prosperidade”.

Ser pobre e acreditar na teologia capitalista não é demérito (considerando o fato de serem analfabetos políticos e não ideólogos imbecis). Ser pobre não é uma escolha para quem nasce numa sociedade que lhe fez assim e, assim, sonhar sem ser um milionário qualquer sabe-se lá quando e como. Até porque, somos frutos da sociedade em que vivemos. Por isso é “normal” viver loucamente e atordoado atrás do “pão de cada dia”. E estes que precisam sobreviver, compactuam com essa realidade de modo qual é a sua realidade.

Quem vive na dificuldade e quer melhorar por si sua condição financeira é, por muitas vezes, desespero e não opção de vida à priori. E é aí que os progressistas entram para modificar essa realidade, estabelecendo uma sociedade, um nova visão humanista e solidária nela – principalmente aos mais pobres –, para que não naveguem nesse idealismo que o faz um mero instrumento de trabalho ou uma mercadoria. Precisamos, ao lado desses mais vulneráveis, traçar alternativas a esse modo infame de vida que não lhe trás satisfação, mas ilusões de uma falsa realidade.


Numa sociedade capitalista, seja você pobre ou não, uma vida selvagem, seu pensamento também será. Por isso que há tantos “capitalistas” pobres.


* Vale lembrar: “capitalista” não é, na linguagem de Marx, quem “apoia o capitalismo” (muitas vezes sem saber direito o que é ‘capitalismo’), mas sim quem comanda capital, valor em movimento contínuo de autoexpansão.

Quem sabe alguém vire um megaempreendedor enquanto milhões não conseguem porque "não se esforçaram" o suficiente



sexta-feira, 12 de agosto de 2016

União Soviética em 30 anos





A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, fundada em 1922, foi fruto da revolução russa; a Rússia tinha ainda, em fins da segunda década do século passado, uma população formada por mais de 80% de camponeses e uma massa absoluta de analfabetos, com um governo imperial. Mal treinado e mal tratado, o exército russo (ao lado da Inglaterra e da França e contra a Alemanha) foi lançado no 1º grande conflito do imperialismo, a 1ª Guerra Mundial. A revolta aos poucos instalou-se nele e, organizada nos sovietes – assembleias de delegados diretamente eleitos – e canalizada pelos bolcheviques de Lênin (que compreendiam e aceitaram as demandas do seu povo pelas “teses de Abril”, pão, terra e paz; não sem motivo, portanto, passando de uns poucos milhares em março de 1917 para um quarto de milhão de membros no início do verão daquele ano), pôs abaixo o regime czarista e a república liberal o substituiu no épico outubro de 1917 (diz-se que, quando chegou a hora, mais que tomado, o poder foi colhido). A rebelião contra a guerra (Lênin imediatamente assinou um tratado de paz com a Alemanha) adquiriu concentração e atuação. Não admira que os censores austro-húngaros, controlando a correspondência de seus soldados, passaram a notar uma mudança de tom: “Se ao menos o bom Deus nos trouxesse a paz” tornou-se “Para nós já chega” ou “Dizem que os socialistas vão trazer a paz”.

Vários exércitos e regimes contrarrevolucionários levantaram-se contra os russos vermelhos, financiados pelos aliados, que enviaram tropas britânicas, francesas, americanas, japonesas, sérvias, polonesas, romenas e gregas para o solo russo. Nos piores momentos da brutal e caótica guerra civil de 1918-20, a Rússia Soviética foi reduzida a uma faixa de território sem saída para o mar, no Norte e no centro da Rússia, em algum ponto entre a região dos Urais e os atuais Estados bálticos, a não ser pelo estreito dedo exposto de Leningrado, apontado para o golfo da Finlândia. As únicas vantagens importantes com que o novo regime contava, enquanto improvisava do nada um Exército Vermelho eventualmente vitorioso, eram a incompetência e a divisão das briguentas forças contrarrevolucionárias, a capacidade destas de antagonizar o campesinato da Grande Rússia, e a bem fundada desconfiança entre as potências ocidentais de que não podiam ordenar com segurança a seus soldados e marinheiros rebeldes que combatessem os bolcheviques. Em fins de 1920, os bolcheviques haviam vencido; a Rússia soviética sobrevivera (mais que os 2 meses e quinze dias da Comuna de Paris, para o alívio e o orgulho de Lênin).

Os bolcheviques puseram-se a reconstruir o país: contra os anos de interrupta crise e catástrofe, conquista alemã e imposição de paz punitiva, separações regionais, intervenção estrangeira, colapso econômico e fome, adotaram a NEP (“New Economic Policy”), da qual pode se tomar como consequência a recuperação da produção industrial soviética ao seu nível pré-guerra em 1926, embora isso não significasse muita coisa: a URSS continuava tão esmagadoramente rural quanto em 1913 (82% da população nos dois casos), e na verdade só 7,5% estavam empregados fora da agricultura. A ''economia planejada'' dos Planos Quinquenais tomou então seu lugar, mais com o objetivo de criar novas indústrias do que as dirigir, e preferindo dar prioridade imediatamente aos setores básicos da indústria pesada e da produção de energia que eram a fundação de qualquer grande economia industrial: carvão, ferro e aço, eletricidade, petróleo etc. A excepcional riqueza da URSS em matérias-primas tornava essa opção ao mesmo tempo lógica e conveniente. Além disso, ocorreu a coletivização compulsória das terras cultiváveis.

Épico e trágico que tenha sido o trajeto (e a industrialização soviética jogou o consumo de sua população lá embaixo – em 1940 a economia produziu apenas pouco mais de um calçado para cada habitante), para um país atrasado e primitivo, isolado de ajuda estrangeira, com todos os seus desperdícios e ineficiências, ele funcionou de modo impressionante:


- os 22 milhões de toneladas colhidas em 1930-1 representaram mais que o dobro da colheita obtida pelo governo em em 1928-9;

- a taxa média anual de crescimento da produção industrial na década de 1930 girou em torno de 16% (a dos EUA, entre 1889 e 1929, foi de 5%, e a da Inglaterra entre 1885 e 1913, 3%);

- a produção de eletricidade por ano elevou-se de 6 para 40 bilhões de kWh, a de carvão, de 30 para 133 milhões de toneladas, e a de automóveis, de 1400 para 211 mil unidades;

- antes da revolução, o número de médicos era de 20 mil, em 1937 passou a 105 mil;

- o número de leitos de hospital passou de 175 mil para 618 mil;

- em 1914, o número de pessoas que frequentavam escolas de todos os níveis era de 8 milhões, em 1928, 12 milhões, e em 1938, 31.5 milhões;

- em 1913, 112 mil pessoas estudavam em estabelecimentos de nível universitário, e em 1939, 620 mil;

- antes da revolução, as bibliotecas públicas possuíam 640 livros para cada 10 mil habitantes, e em 1939, 8610;

- antes de 1928, a taxa de analfabetismo era de 80%, mas em 1938, 90% da população sabia ler e escrever;

- a economia deu pleno emprego, comida, roupa e habitação a preços controlados (ou seja, subsidiados), alugueis, pensões e assistência médica: o padrão de vida em 1937 era provavelmente mais elevado do que o de qualquer outro ano desde 1928 (ano em que iniciou o Primeiro Plano Quinquenal) e, de acordo com certas informações, pode mesmo ter superado o daquele ano.


A transformação de um país em grande parte analfabeto na moderna URSS foi, por quaisquer padrões, um feito impressionante, e para milhões de habitantes das aldeias para as quais, mesmo nos tempos mais difíceis, o desenvolvimento soviético significou a abertura de novos horizontes, a fuga das trevas e da ignorância para a cidade, a luz e o progresso, sem falar em avanço pessoal e carreiras, a defesa da nova sociedade era inteiramente convincente. De qualquer forma, não conheciam nenhuma outra.

Ao mesmo tempo, no Ocidente, o que se dava era a catástrofe social. Nos EUA, entre 1929 e 1932 se registraram mais de 85 mil falências empresariais, quando a economia mergulhou numa devastadora depressão. Nesses 3 anos, mais de cinco mil bancos suspenderam suas ações; o valor das ações negociadas na bolsa de NY caiu de US$87 bilhões pra US$19 bilhões; 12 milhões de trabalhadores perderam o emprego e um quarto da população ficou sem meios de sustento; a renda agrícola caiu mais da metade e a produção da indústria de transformação caiu quase 50%. Sua produção industrial caiu cerca de um terço entre 1929 e 1931, suas importações e exportações entre 1929 e 1932 declinaram 70% e a Westinghouse, grande empresa de eletricidade, perdeu dois terços de suas vendas, enquanto sua renda líquida caiu 7% em dois anos. Houve uma crise na produção básica, tanto de alimentos como de matérias-primas, porque os preços, não mais mantidos pela formação de estoques como antes, entraram em queda livre. O preço do chá caiu 2/3, e o seda bruta, 3/4. Isso deixou prostrados, para citar apenas os nomes relacionados pela Liga das Nações em 1931; Argentina, Austrália, países balcânicos, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Egito, Equador, Finlândia, Hungria, Índia, Malásia britânica, México, Índias holandesas (atual Indonésia), Nova Zelândia, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela, cujo comércio internacional dependia em peso de uns poucos produtos primários. Em suma, tornou a depressão global num sentido literal, sendo sua consequência mais básica o desemprego em escala inimaginável e sem precedentes, e por mais tempo do que qualquer um imaginara.

No pior período da Depressão (1932-3), 22 a 23% da força de trabalho britânica e belga, 24% da sueca, 27% da americana, 29% da austríaca, 31% da norueguesa, 32% da dinamarquesa e nada menos que 44% da alemã não tinha emprego. E o que é igualmente relevante, mesmo a recuperação após 1933 não reduziu o desemprego médio da década de 1930 abaixo de 16 a 17% na Grã-Bretanha e Suécia e 20% no resto da Escandinávia. A imagem predominante da época era a das filas de sopa, de ''marchas da fome'' saindo de comunidades industriais sem fumaça nas chaminés onde nenhum aço ou navio era feito e convergido para as capitais das cidades, para denunciar aqueles que julgavam responsáveis.

O grande trauma da Grande Depressão foi realçado pelo fato de que um país que rompera clamorosamente com o capitalismo estava imune a ela: a União Soviética. Enquanto o capitalismo liberal estagnava, a URSS entrava numa industrialização ultrarrápida e maciça sob seus novos Planos Quinquenais. De 1929 a 1940, a produção soviética triplicou, no mínimo. Subiu de 5% dos produtos manufaturados no mundo em 1929 para 18% em 1938, enquanto no mesmo período a fatia conjunta dos EUA, Grã-Bretanha e França caía de 59 para 52% do total do mundo.

Mas a burguesia mundial via com péssimos olhos o Estado proletário e o possível alvorecer da revolução mundial. O fascismo, até então visto sobretudo como um movimento identificado com a Itália, tornou-se o principal veículo internacional da direita política, e, em vários países multiplicaram-se e cresceram movimentos políticos fascistas ou que, não sendo fascistas, desejavam associar-se ao prestígio e ao poder dos dois importantes países europeus sob regimes fascistas. Outros movimentos reacionários militantes ligaram-se a grupos fascistas em seus países ou nos estrangeiros, buscaram apoio junto ao fascismo estrangeiro ou no mínimo viram a ascensão do fascismo internacional – principalmente do nazismo alemão – como uma defesa contra sua própria esquerda nacional. Como diziam na época, “antes Hitler do que Léon Blum”.

Num discurso pronunciado em 1931, Stálin (desde 1935 defensor de uma aliança entre França, Inglaterra e URSS contra as potências fascistas) lembrou que a Rússia “foi derrotada pelos beis turcos. Foi vencida pelos nobres poloneses e lituanos. Foi derrotada pelos capitalistas ingleses e franceses. Foi superada pelos barões japoneses. Todos a venceram – devido ao seu atraso... Estamos 50 ou 100 anos atrás dos países adiantados. Devemos superar essa distância em 10 anos. Ou fazemos isso ou eles nos esmagam” (B. Davis, 1979, pág. 116).

Em junho de 1941, a Alemanha nazista invadia a URSS. Estimativas dos cidadãos soviéticos mortos na 2ª Guerra Mundial se situam no geral nos 20 milhões, embora alguns especialistas consideram que chegaram aos 30 milhões. No início da guerra, Hitler conquistou rapidamente a área onde se concentrava mais da metade da capacidade de produção da União Soviética. O território ocupado pelos alemães era responsável por 70% das minas de carvão, 60% da produção de minério de ferro, 50% da produção siderúrgica e 30% da colheita de cereais. Quando o exército soviético recuou, destruiu grande parte das instalações produtivas para impedir que fossem utilizadas pelos alemães. Quando, mais tarde, estes foram repelidos, também eles adotaram uma política de terra arrasada, destruindo na sua retirada qualquer coisa de valor que encontrassem. Além de matarem mais de 20 milhões de soviéticos, os nazistas destruíram os lares de outros 25 milhões, arrasando totalmente cerca de 2 mil cidades e 70 mil aldeias.

A destruição desses milhões de pessoas, casas, fábricas, animais sem conta e dos sistemas de ferrovias, transportes e comunicações fez da URSS um “vencedor” – e a vitória da Alemanha de Hitler foi, como só poderia ter sido, uma vitória do Exército Vermelho: quatro quintos dos combates na Segunda Guerra Mundial aconteceram no front do Leste, dois terços do exército alemão estavam no Leste mesmo depois do dia D – quase totalmente devastado na 2ª Guerra Mundial. O progresso econômico da década de 1930, obtido com alto custo social e humano, foi em larga medida apagado pela tentativa nazista de conquistar a União Soviética. Contudo, apesar dessas perdas os soviéticos mantiveram sua organização econômica e capacidades gerais, e com a experiência adquirida do planejamento dos anos 30, se recuperaram com velocidades miraculosa (os planejadores soviéticos provavelmente não teriam tido esse sucesso se o plano que os chefes do Estado-maior norte-americano para lançar bombas atômicas sobre suas vinte principais cidades dez semanas após o fim da guerra tivesse sido concretizado). Em 1950, a produção industrial bruta era muito mais alta do que antes da guerra e a agricultura voltara aos níveis anteriores àquela. A taxa de crescimento de seu PIB na década de 1950 foi mais veloz que a de qualquer país ocidental, e as economias da Europa Oriental cresceram quase com a mesma rapidez – mais depressa em países até então atrasados, mais devagar nos já industrializados ou parcialmente industrializados. Embora o bloco oriental perdesse o ritmo na década de 1960, seu PIB per capita em toda a Era de Ouro (1945-1973) continuou crescendo ligeiramente mais rápido que o dos grandes países industriais capitalistas.

A mais importante conquista da economia soviética foi a abolição do desemprego. A União Soviética não apenas proveu emprego para todos como o trabalho era considerado uma obrigação social, de tanta importância que foi consagrado na constituição. A constituição de 1936 estipulara que ''os cidadãos da URSS têm o direito de trabalhar, ou seja, são garantidos o direito ao emprego e ao pagamento por seu trabalho de acordo com a qualidade e quantidade.'' Por outro lado, viver de meios que não o trabalho era proibido. Consequentemente, tirar riqueza de rentismo, lucros, especulação ou mercado negro — parasitismo social — era ilegal (Szymanski, 1984). Achar um emprego era fácil, porque normalmente havia baixa oferta de trabalho. Consequentemente, os funcionários tinham um alto poder de negociação no trabalho, com evidentes benefícios em segurança do trabalho e a gestão prestando muita atenção à satisfação do empregado (Kotz, 2003).

O artigo 41 da constituição de 1977 estabeleceu a semana de trabalho em 41 horas. Trabalhadores do turno da noite trabalhavam 7 horas, mas recebiam a remuneração total (correspondente a 8 horas). Os trabalhadores empregados em empregos perigosos (por exemplo, mineradores) ou onde a vigilância mantida era crítica (por exemplo, médicos), trabalhavam 6 ou 7 horas, mas recebiam salário integral. Trabalho em hora-extra foi proibido, exceto em circunstâncias especiais (Szymanski, 1984). A partir dos anos 60, os trabalhadores receberam em média um mês de férias (Keeran e Kenny, 2004; Szymanski, 1984), que poderiam ser tomadas em resorts subsidiados (Kotz, 2003).

A todos os cidadãos soviéticos era fornecida uma renda de aposentadoria, aos homens com 60 anos de idade e às mulheres com a idade de 55 (Lerouge, 2010). O direito à pensão (assim como benefícios por invalidez) foi garantido pela constituição soviética (artigo 43, constituição de 1977), ao invés de ser revogável e sujeita a caprichos momentâneos de políticos, como é o caso nos países capitalistas. Às mulheres era garantida licença maternidade totalmente remunerada desde 1936, além de muitos outros benefícios, pela constituição soviética (artigo 122, 1936). 

Simultaneamente, a constituição de 1936 provia uma ampla rede de maternidades, creches e jardins de infância, enquanto a constituição de 1977 obrigava o Estado a ajudar “a família, proporcionando e desenvolvendo um amplo sistema de assistência à infância... mediante o pagamento de subvenções sobre o nascimento de uma criança, fornecendo subsídios às crianças e benefícios para as grandes famílias” (artigo 35). A União Soviética foi o primeiro país a criar creches públicas (Szymanski, 1984).

Também lhes foi garantida a igualdade de direitos em relação aos homens, em todas as esferas da vida econômica, política, cultural e social (artigo 122, 1936), incluindo o direito ao emprego, descanso e lazer, segurança social e educação. Entre seus muitos pioneirismos, a URSS foi o primeiro país a legalizar o aborto, que estavam disponíveis sem custo algum (Sherman, 1969). Também foi o primeiro país a trazer as mulheres para os cargos superiores do governo. Uma intensa campanha foi realizada na Ásia central soviética para libertar as mulheres da opressão misógina do islamismo conservador. Isso produziu uma transformação radical das condições de vida das mulheres nestas áreas (Szymanski, 1984).

O direito à moradia foi garantido por uma disposição constitucional de 1977 (artigo 44). O espaço urbano para habitação foi, entretanto, reduzido à metade do que era por cabeça na Áustria e na Alemanha Ocidental, por exemplo. As razões eram construção inadequada na era czarista, a destruição massiva de moradias durante a 2ª Guerra Mundial e a ênfase soviética na indústria pesada. Depois da revolução, novas moradias foram construídas, mas seu ‘estoque’ permaneceu insuficiente. A construção de habitações pesava fortemente sobre o capital, de que o governo necessitava urgentemente para a construção da indústria. Além disso, os invasores nazistas destruíram de 1/3 a 1/2 das habitações soviéticas durante a 2ª Guerra Mundial (Sherman 1969).

Cidadãos urbanos soviéticos vivam tipicamente em edifícios de apartamentos de propriedade da empresa em que trabalhavam ou do governo local. Os aluguéis eram baratíssimos por lei, cerca de 2 a 3% do orçamento familiar, enquanto os utilitários ocupavam de 4 a 5% (Szymanski, 1984; Kenny & Keeran, 2004). Isso difere nitidamente dos Estados Unidos, onde os aluguéis consumiam uma parcela significativa do orçamento familiar médio (Szymanski, 1984) e ainda o fazem.

O transporte público era eficiente, extenso e praticamente gratuito. A tarifa de metrô era cerca de 8 centavos nos anos 70, inalterada desde 1930. Nada comparável existiu nos países capitalistas. Isto porque um serviço público eficiente, acessível e extenso limitaria severamente as oportunidades de lucro de fabricantes de automóveis, companhias de petróleo e empresas de engenharia civil. A fim de salvaguardar seus lucros, essas empresas usam sua riqueza, conexões e influência para impedir o desenvolvimento de eficientes, extensas e baratas alternativas públicas ao transporte privado. Os governos, que precisam manter a indústria privada feliz para que esta possa gerar empregos, são obrigados a jogar seu jogo. A única maneira de mudar isto é pôr o capital sob o controle público, a fim de usá-lo para atender às metas de políticas públicas estabelecidas em um plano conscientemente construído. A educação superior também era gratuita, e bolsas estavam disponíveis para estudantes de pós-graduação, adequadas para pagar livros-texto, hospedagem e alimentação, dentre outras despesas (Sherman, 1969; Szymanski, 1984).

A desigualdade de renda na União Soviética era leve em comparação com os países capitalistas. A diferença entre a maior renda e o salário médio era equivalente à diferença entre a renda mensal de um médico e um trabalhador comum nos EUA, cerca de 8 a 10 vezes maior (Szymanski, 1984). Os rendimentos mais elevados da elite proporcionaram privilégios não maiores que a capacidade de se adquirir uma casa modesta e um carro (Kotz, 2000). Para comparar, em 2010, os 100 CEO's mais bem pagos do Canadá tinham rendimentos 155 vezes que os salários médios de tempo integral. Este era de US$43.000 (Canadian Centre for Policy Alternatives, 2011). Um rendimento 10 vezes maior seria de US$430.000 — mais ou menos o que os membros da elite capitalista ganham em uma semana. Um fator que mitigou a desigualdade de renda na União Soviética foi o acesso de todos os cidadãos soviéticos a serviços essenciais, sem nenhum ou quase nenhum custo. Assim, o grau de desigualdade material era ainda menor que o grau de desigualdade de renda (Szymanski, 1984).

Em 1913, o império czarista, com 9,4% da população mundial, produzia 6% do total mundial de “rendas nacionais” e 3,6% de sua produção industrial. Em 1986, a URSS, com menos de 6% da população mundial, produzia 14% da “renda nacional” do globo e 14,6% de sua produção industrial. A melhoria do padrão de vida de 1940 a 1970 fora deveras impressionante. Em 1980, tinha uma proporção nitidamente menor de seus habitantes na cadeia do que os EUA (268 prisioneiros por 100 mil habitantes, contra 426 por 100 mil prisioneiros nos EUA) e se tornou uma sociedade em que o cidadão comum provavelmente corria menos risco de ser deliberadamente morto por crime, conflito civil ou pelo Estado do que em um número substancial de outros países na África, Ásia e Américas. Os emigrantes judeus da URSS para Israel lá reviveram o cenário musical clássico, pois vinha de um país onde ir a concertos ainda fazia parte do comportamento culto, pelo menos para judeus. Os habitantes de Moscou e Varsóvia se preocupavam menos com o que preocupavam os de Nova York ou Londres: taxa de crime em visível ascensão, insegurança e violência imprevisível de jovens anômicos.

O regime soviético não era apenas autóctone e com raízes internas, mas as próprias pessoas, de forma difíceis de especificar, se encaixavam nele, à medida que o regime a elas se adaptava. Como observou o satirista dissidente Zinoviev, realmente havia um ‘novo homem soviético’ (ou mulher): ele/ela estava à vontade no sistema, que lhe assegurava um meio de vida e uma abrangente seguridade social, em nível modesto, mas real, uma sociedade social e economicamente igualitária e pelo menos uma das aspirações tradicionais do socialismo, o ‘direito ao ócio’, de Paul Lafargue. Além disso, para a maioria dos cidadãos soviéticos, a era de Brejnev significou não ‘estagnação’, mas os melhores dias que eles e seus pais, ou mesmo seus avós, já haviam conhecido.

Social e politicamente, a maior parte da URSS era uma sociedade estável, sem dúvida, em parte graças à ignorância em relação a outros países mantida pela autoridade e a censura, mas de modo algum só por esse motivo. Será por acaso que não houve um equivalente da rebelião estudantil de 1968 na URSS, Polônia, Tchecoslováquia e Hungria? Que mesmo sob Gorbachev o movimento de reforma não mobilizou os jovens em nenhuma medida importante? Que tenha sido, como se dizia, ‘uma rebelião dos 30 e 40 anos’, ou seja, da geração nascida após o fim da guerra, mas antes do confortável torpor dos anos Brejnev? De onde quer que tenha vindo a pressão pela mudança na URSS, das bases não foi (76% dos eleitores num referendo de março de 1991 votaram pela manutenção do país).


A URSS foi e é a prova de que um mundo diferente (e melhor) é possível apesar das dificuldades.



Fontes e bibliografia:

1) BARAN, P. ''Desenvolvimento econômico rápido''. In: _____. A economia política do desenvolvimento. São Paulo: Abril Cultural, 1986.

2) GOWANS, Stephen. ''Do publicy-owned, planned economies work?''. Disponível em: http://boradiscutir.blogspot.com.br/…/uma-economia-socialis…

3) HOBSBAWM, E. J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das letras, 1995.

4) __________. ''Ressurgindo das cinzas''. In: BLACKBURN, Rubin. Depois da queda: o fracasso do comunismo e o futuro do socialismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

5) HUNT, E. K. História do pensamento econômico: uma perspectiva crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

6) MAKAVELLI, Jones. ''Ser negro na União Soviética e nos Estados Unidos: uma comparação histórica''. Disponível em: http://boradiscutir.blogspot.com.br/2015/03/ser-negro-na-uniao-sovietica-e-nos.html

7) MEDVEDOVSKY, Aleksander. ''No dia da vitória, um lugar para a bandeira russa''. Disponível em: http://br.sputniknews.com/opiniao/20150504/928159.html#ixzz3ZEGTqaCC


8) MATHEUS, Allefy. "A URSS em 1947". (blog Bora Discutir)