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sexta-feira, 12 de agosto de 2016

União Soviética em 30 anos





A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, fundada em 1922, foi fruto da revolução russa; a Rússia tinha ainda, em fins da segunda década do século passado, uma população formada por mais de 80% de camponeses e uma massa absoluta de analfabetos, com um governo imperial. Mal treinado e mal tratado, o exército russo (ao lado da Inglaterra e da França e contra a Alemanha) foi lançado no 1º grande conflito do imperialismo, a 1ª Guerra Mundial. A revolta aos poucos instalou-se nele e, organizada nos sovietes – assembleias de delegados diretamente eleitos – e canalizada pelos bolcheviques de Lênin (que compreendiam e aceitaram as demandas do seu povo pelas “teses de Abril”, pão, terra e paz; não sem motivo, portanto, passando de uns poucos milhares em março de 1917 para um quarto de milhão de membros no início do verão daquele ano), pôs abaixo o regime czarista e a república liberal o substituiu no épico outubro de 1917 (diz-se que, quando chegou a hora, mais que tomado, o poder foi colhido). A rebelião contra a guerra (Lênin imediatamente assinou um tratado de paz com a Alemanha) adquiriu concentração e atuação. Não admira que os censores austro-húngaros, controlando a correspondência de seus soldados, passaram a notar uma mudança de tom: “Se ao menos o bom Deus nos trouxesse a paz” tornou-se “Para nós já chega” ou “Dizem que os socialistas vão trazer a paz”.

Vários exércitos e regimes contrarrevolucionários levantaram-se contra os russos vermelhos, financiados pelos aliados, que enviaram tropas britânicas, francesas, americanas, japonesas, sérvias, polonesas, romenas e gregas para o solo russo. Nos piores momentos da brutal e caótica guerra civil de 1918-20, a Rússia Soviética foi reduzida a uma faixa de território sem saída para o mar, no Norte e no centro da Rússia, em algum ponto entre a região dos Urais e os atuais Estados bálticos, a não ser pelo estreito dedo exposto de Leningrado, apontado para o golfo da Finlândia. As únicas vantagens importantes com que o novo regime contava, enquanto improvisava do nada um Exército Vermelho eventualmente vitorioso, eram a incompetência e a divisão das briguentas forças contrarrevolucionárias, a capacidade destas de antagonizar o campesinato da Grande Rússia, e a bem fundada desconfiança entre as potências ocidentais de que não podiam ordenar com segurança a seus soldados e marinheiros rebeldes que combatessem os bolcheviques. Em fins de 1920, os bolcheviques haviam vencido; a Rússia soviética sobrevivera (mais que os 2 meses e quinze dias da Comuna de Paris, para o alívio e o orgulho de Lênin).

Os bolcheviques puseram-se a reconstruir o país: contra os anos de interrupta crise e catástrofe, conquista alemã e imposição de paz punitiva, separações regionais, intervenção estrangeira, colapso econômico e fome, adotaram a NEP (“New Economic Policy”), da qual pode se tomar como consequência a recuperação da produção industrial soviética ao seu nível pré-guerra em 1926, embora isso não significasse muita coisa: a URSS continuava tão esmagadoramente rural quanto em 1913 (82% da população nos dois casos), e na verdade só 7,5% estavam empregados fora da agricultura. A ''economia planejada'' dos Planos Quinquenais tomou então seu lugar, mais com o objetivo de criar novas indústrias do que as dirigir, e preferindo dar prioridade imediatamente aos setores básicos da indústria pesada e da produção de energia que eram a fundação de qualquer grande economia industrial: carvão, ferro e aço, eletricidade, petróleo etc. A excepcional riqueza da URSS em matérias-primas tornava essa opção ao mesmo tempo lógica e conveniente. Além disso, ocorreu a coletivização compulsória das terras cultiváveis.

Épico e trágico que tenha sido o trajeto (e a industrialização soviética jogou o consumo de sua população lá embaixo – em 1940 a economia produziu apenas pouco mais de um calçado para cada habitante), para um país atrasado e primitivo, isolado de ajuda estrangeira, com todos os seus desperdícios e ineficiências, ele funcionou de modo impressionante:


- os 22 milhões de toneladas colhidas em 1930-1 representaram mais que o dobro da colheita obtida pelo governo em em 1928-9;

- a taxa média anual de crescimento da produção industrial na década de 1930 girou em torno de 16% (a dos EUA, entre 1889 e 1929, foi de 5%, e a da Inglaterra entre 1885 e 1913, 3%);

- a produção de eletricidade por ano elevou-se de 6 para 40 bilhões de kWh, a de carvão, de 30 para 133 milhões de toneladas, e a de automóveis, de 1400 para 211 mil unidades;

- antes da revolução, o número de médicos era de 20 mil, em 1937 passou a 105 mil;

- o número de leitos de hospital passou de 175 mil para 618 mil;

- em 1914, o número de pessoas que frequentavam escolas de todos os níveis era de 8 milhões, em 1928, 12 milhões, e em 1938, 31.5 milhões;

- em 1913, 112 mil pessoas estudavam em estabelecimentos de nível universitário, e em 1939, 620 mil;

- antes da revolução, as bibliotecas públicas possuíam 640 livros para cada 10 mil habitantes, e em 1939, 8610;

- antes de 1928, a taxa de analfabetismo era de 80%, mas em 1938, 90% da população sabia ler e escrever;

- a economia deu pleno emprego, comida, roupa e habitação a preços controlados (ou seja, subsidiados), alugueis, pensões e assistência médica: o padrão de vida em 1937 era provavelmente mais elevado do que o de qualquer outro ano desde 1928 (ano em que iniciou o Primeiro Plano Quinquenal) e, de acordo com certas informações, pode mesmo ter superado o daquele ano.


A transformação de um país em grande parte analfabeto na moderna URSS foi, por quaisquer padrões, um feito impressionante, e para milhões de habitantes das aldeias para as quais, mesmo nos tempos mais difíceis, o desenvolvimento soviético significou a abertura de novos horizontes, a fuga das trevas e da ignorância para a cidade, a luz e o progresso, sem falar em avanço pessoal e carreiras, a defesa da nova sociedade era inteiramente convincente. De qualquer forma, não conheciam nenhuma outra.

Ao mesmo tempo, no Ocidente, o que se dava era a catástrofe social. Nos EUA, entre 1929 e 1932 se registraram mais de 85 mil falências empresariais, quando a economia mergulhou numa devastadora depressão. Nesses 3 anos, mais de cinco mil bancos suspenderam suas ações; o valor das ações negociadas na bolsa de NY caiu de US$87 bilhões pra US$19 bilhões; 12 milhões de trabalhadores perderam o emprego e um quarto da população ficou sem meios de sustento; a renda agrícola caiu mais da metade e a produção da indústria de transformação caiu quase 50%. Sua produção industrial caiu cerca de um terço entre 1929 e 1931, suas importações e exportações entre 1929 e 1932 declinaram 70% e a Westinghouse, grande empresa de eletricidade, perdeu dois terços de suas vendas, enquanto sua renda líquida caiu 7% em dois anos. Houve uma crise na produção básica, tanto de alimentos como de matérias-primas, porque os preços, não mais mantidos pela formação de estoques como antes, entraram em queda livre. O preço do chá caiu 2/3, e o seda bruta, 3/4. Isso deixou prostrados, para citar apenas os nomes relacionados pela Liga das Nações em 1931; Argentina, Austrália, países balcânicos, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Egito, Equador, Finlândia, Hungria, Índia, Malásia britânica, México, Índias holandesas (atual Indonésia), Nova Zelândia, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela, cujo comércio internacional dependia em peso de uns poucos produtos primários. Em suma, tornou a depressão global num sentido literal, sendo sua consequência mais básica o desemprego em escala inimaginável e sem precedentes, e por mais tempo do que qualquer um imaginara.

No pior período da Depressão (1932-3), 22 a 23% da força de trabalho britânica e belga, 24% da sueca, 27% da americana, 29% da austríaca, 31% da norueguesa, 32% da dinamarquesa e nada menos que 44% da alemã não tinha emprego. E o que é igualmente relevante, mesmo a recuperação após 1933 não reduziu o desemprego médio da década de 1930 abaixo de 16 a 17% na Grã-Bretanha e Suécia e 20% no resto da Escandinávia. A imagem predominante da época era a das filas de sopa, de ''marchas da fome'' saindo de comunidades industriais sem fumaça nas chaminés onde nenhum aço ou navio era feito e convergido para as capitais das cidades, para denunciar aqueles que julgavam responsáveis.

O grande trauma da Grande Depressão foi realçado pelo fato de que um país que rompera clamorosamente com o capitalismo estava imune a ela: a União Soviética. Enquanto o capitalismo liberal estagnava, a URSS entrava numa industrialização ultrarrápida e maciça sob seus novos Planos Quinquenais. De 1929 a 1940, a produção soviética triplicou, no mínimo. Subiu de 5% dos produtos manufaturados no mundo em 1929 para 18% em 1938, enquanto no mesmo período a fatia conjunta dos EUA, Grã-Bretanha e França caía de 59 para 52% do total do mundo.

Mas a burguesia mundial via com péssimos olhos o Estado proletário e o possível alvorecer da revolução mundial. O fascismo, até então visto sobretudo como um movimento identificado com a Itália, tornou-se o principal veículo internacional da direita política, e, em vários países multiplicaram-se e cresceram movimentos políticos fascistas ou que, não sendo fascistas, desejavam associar-se ao prestígio e ao poder dos dois importantes países europeus sob regimes fascistas. Outros movimentos reacionários militantes ligaram-se a grupos fascistas em seus países ou nos estrangeiros, buscaram apoio junto ao fascismo estrangeiro ou no mínimo viram a ascensão do fascismo internacional – principalmente do nazismo alemão – como uma defesa contra sua própria esquerda nacional. Como diziam na época, “antes Hitler do que Léon Blum”.

Num discurso pronunciado em 1931, Stálin (desde 1935 defensor de uma aliança entre França, Inglaterra e URSS contra as potências fascistas) lembrou que a Rússia “foi derrotada pelos beis turcos. Foi vencida pelos nobres poloneses e lituanos. Foi derrotada pelos capitalistas ingleses e franceses. Foi superada pelos barões japoneses. Todos a venceram – devido ao seu atraso... Estamos 50 ou 100 anos atrás dos países adiantados. Devemos superar essa distância em 10 anos. Ou fazemos isso ou eles nos esmagam” (B. Davis, 1979, pág. 116).

Em junho de 1941, a Alemanha nazista invadia a URSS. Estimativas dos cidadãos soviéticos mortos na 2ª Guerra Mundial se situam no geral nos 20 milhões, embora alguns especialistas consideram que chegaram aos 30 milhões. No início da guerra, Hitler conquistou rapidamente a área onde se concentrava mais da metade da capacidade de produção da União Soviética. O território ocupado pelos alemães era responsável por 70% das minas de carvão, 60% da produção de minério de ferro, 50% da produção siderúrgica e 30% da colheita de cereais. Quando o exército soviético recuou, destruiu grande parte das instalações produtivas para impedir que fossem utilizadas pelos alemães. Quando, mais tarde, estes foram repelidos, também eles adotaram uma política de terra arrasada, destruindo na sua retirada qualquer coisa de valor que encontrassem. Além de matarem mais de 20 milhões de soviéticos, os nazistas destruíram os lares de outros 25 milhões, arrasando totalmente cerca de 2 mil cidades e 70 mil aldeias.

A destruição desses milhões de pessoas, casas, fábricas, animais sem conta e dos sistemas de ferrovias, transportes e comunicações fez da URSS um “vencedor” – e a vitória da Alemanha de Hitler foi, como só poderia ter sido, uma vitória do Exército Vermelho: quatro quintos dos combates na Segunda Guerra Mundial aconteceram no front do Leste, dois terços do exército alemão estavam no Leste mesmo depois do dia D – quase totalmente devastado na 2ª Guerra Mundial. O progresso econômico da década de 1930, obtido com alto custo social e humano, foi em larga medida apagado pela tentativa nazista de conquistar a União Soviética. Contudo, apesar dessas perdas os soviéticos mantiveram sua organização econômica e capacidades gerais, e com a experiência adquirida do planejamento dos anos 30, se recuperaram com velocidades miraculosa (os planejadores soviéticos provavelmente não teriam tido esse sucesso se o plano que os chefes do Estado-maior norte-americano para lançar bombas atômicas sobre suas vinte principais cidades dez semanas após o fim da guerra tivesse sido concretizado). Em 1950, a produção industrial bruta era muito mais alta do que antes da guerra e a agricultura voltara aos níveis anteriores àquela. A taxa de crescimento de seu PIB na década de 1950 foi mais veloz que a de qualquer país ocidental, e as economias da Europa Oriental cresceram quase com a mesma rapidez – mais depressa em países até então atrasados, mais devagar nos já industrializados ou parcialmente industrializados. Embora o bloco oriental perdesse o ritmo na década de 1960, seu PIB per capita em toda a Era de Ouro (1945-1973) continuou crescendo ligeiramente mais rápido que o dos grandes países industriais capitalistas.

A mais importante conquista da economia soviética foi a abolição do desemprego. A União Soviética não apenas proveu emprego para todos como o trabalho era considerado uma obrigação social, de tanta importância que foi consagrado na constituição. A constituição de 1936 estipulara que ''os cidadãos da URSS têm o direito de trabalhar, ou seja, são garantidos o direito ao emprego e ao pagamento por seu trabalho de acordo com a qualidade e quantidade.'' Por outro lado, viver de meios que não o trabalho era proibido. Consequentemente, tirar riqueza de rentismo, lucros, especulação ou mercado negro — parasitismo social — era ilegal (Szymanski, 1984). Achar um emprego era fácil, porque normalmente havia baixa oferta de trabalho. Consequentemente, os funcionários tinham um alto poder de negociação no trabalho, com evidentes benefícios em segurança do trabalho e a gestão prestando muita atenção à satisfação do empregado (Kotz, 2003).

O artigo 41 da constituição de 1977 estabeleceu a semana de trabalho em 41 horas. Trabalhadores do turno da noite trabalhavam 7 horas, mas recebiam a remuneração total (correspondente a 8 horas). Os trabalhadores empregados em empregos perigosos (por exemplo, mineradores) ou onde a vigilância mantida era crítica (por exemplo, médicos), trabalhavam 6 ou 7 horas, mas recebiam salário integral. Trabalho em hora-extra foi proibido, exceto em circunstâncias especiais (Szymanski, 1984). A partir dos anos 60, os trabalhadores receberam em média um mês de férias (Keeran e Kenny, 2004; Szymanski, 1984), que poderiam ser tomadas em resorts subsidiados (Kotz, 2003).

A todos os cidadãos soviéticos era fornecida uma renda de aposentadoria, aos homens com 60 anos de idade e às mulheres com a idade de 55 (Lerouge, 2010). O direito à pensão (assim como benefícios por invalidez) foi garantido pela constituição soviética (artigo 43, constituição de 1977), ao invés de ser revogável e sujeita a caprichos momentâneos de políticos, como é o caso nos países capitalistas. Às mulheres era garantida licença maternidade totalmente remunerada desde 1936, além de muitos outros benefícios, pela constituição soviética (artigo 122, 1936). 

Simultaneamente, a constituição de 1936 provia uma ampla rede de maternidades, creches e jardins de infância, enquanto a constituição de 1977 obrigava o Estado a ajudar “a família, proporcionando e desenvolvendo um amplo sistema de assistência à infância... mediante o pagamento de subvenções sobre o nascimento de uma criança, fornecendo subsídios às crianças e benefícios para as grandes famílias” (artigo 35). A União Soviética foi o primeiro país a criar creches públicas (Szymanski, 1984).

Também lhes foi garantida a igualdade de direitos em relação aos homens, em todas as esferas da vida econômica, política, cultural e social (artigo 122, 1936), incluindo o direito ao emprego, descanso e lazer, segurança social e educação. Entre seus muitos pioneirismos, a URSS foi o primeiro país a legalizar o aborto, que estavam disponíveis sem custo algum (Sherman, 1969). Também foi o primeiro país a trazer as mulheres para os cargos superiores do governo. Uma intensa campanha foi realizada na Ásia central soviética para libertar as mulheres da opressão misógina do islamismo conservador. Isso produziu uma transformação radical das condições de vida das mulheres nestas áreas (Szymanski, 1984).

O direito à moradia foi garantido por uma disposição constitucional de 1977 (artigo 44). O espaço urbano para habitação foi, entretanto, reduzido à metade do que era por cabeça na Áustria e na Alemanha Ocidental, por exemplo. As razões eram construção inadequada na era czarista, a destruição massiva de moradias durante a 2ª Guerra Mundial e a ênfase soviética na indústria pesada. Depois da revolução, novas moradias foram construídas, mas seu ‘estoque’ permaneceu insuficiente. A construção de habitações pesava fortemente sobre o capital, de que o governo necessitava urgentemente para a construção da indústria. Além disso, os invasores nazistas destruíram de 1/3 a 1/2 das habitações soviéticas durante a 2ª Guerra Mundial (Sherman 1969).

Cidadãos urbanos soviéticos vivam tipicamente em edifícios de apartamentos de propriedade da empresa em que trabalhavam ou do governo local. Os aluguéis eram baratíssimos por lei, cerca de 2 a 3% do orçamento familiar, enquanto os utilitários ocupavam de 4 a 5% (Szymanski, 1984; Kenny & Keeran, 2004). Isso difere nitidamente dos Estados Unidos, onde os aluguéis consumiam uma parcela significativa do orçamento familiar médio (Szymanski, 1984) e ainda o fazem.

O transporte público era eficiente, extenso e praticamente gratuito. A tarifa de metrô era cerca de 8 centavos nos anos 70, inalterada desde 1930. Nada comparável existiu nos países capitalistas. Isto porque um serviço público eficiente, acessível e extenso limitaria severamente as oportunidades de lucro de fabricantes de automóveis, companhias de petróleo e empresas de engenharia civil. A fim de salvaguardar seus lucros, essas empresas usam sua riqueza, conexões e influência para impedir o desenvolvimento de eficientes, extensas e baratas alternativas públicas ao transporte privado. Os governos, que precisam manter a indústria privada feliz para que esta possa gerar empregos, são obrigados a jogar seu jogo. A única maneira de mudar isto é pôr o capital sob o controle público, a fim de usá-lo para atender às metas de políticas públicas estabelecidas em um plano conscientemente construído. A educação superior também era gratuita, e bolsas estavam disponíveis para estudantes de pós-graduação, adequadas para pagar livros-texto, hospedagem e alimentação, dentre outras despesas (Sherman, 1969; Szymanski, 1984).

A desigualdade de renda na União Soviética era leve em comparação com os países capitalistas. A diferença entre a maior renda e o salário médio era equivalente à diferença entre a renda mensal de um médico e um trabalhador comum nos EUA, cerca de 8 a 10 vezes maior (Szymanski, 1984). Os rendimentos mais elevados da elite proporcionaram privilégios não maiores que a capacidade de se adquirir uma casa modesta e um carro (Kotz, 2000). Para comparar, em 2010, os 100 CEO's mais bem pagos do Canadá tinham rendimentos 155 vezes que os salários médios de tempo integral. Este era de US$43.000 (Canadian Centre for Policy Alternatives, 2011). Um rendimento 10 vezes maior seria de US$430.000 — mais ou menos o que os membros da elite capitalista ganham em uma semana. Um fator que mitigou a desigualdade de renda na União Soviética foi o acesso de todos os cidadãos soviéticos a serviços essenciais, sem nenhum ou quase nenhum custo. Assim, o grau de desigualdade material era ainda menor que o grau de desigualdade de renda (Szymanski, 1984).

Em 1913, o império czarista, com 9,4% da população mundial, produzia 6% do total mundial de “rendas nacionais” e 3,6% de sua produção industrial. Em 1986, a URSS, com menos de 6% da população mundial, produzia 14% da “renda nacional” do globo e 14,6% de sua produção industrial. A melhoria do padrão de vida de 1940 a 1970 fora deveras impressionante. Em 1980, tinha uma proporção nitidamente menor de seus habitantes na cadeia do que os EUA (268 prisioneiros por 100 mil habitantes, contra 426 por 100 mil prisioneiros nos EUA) e se tornou uma sociedade em que o cidadão comum provavelmente corria menos risco de ser deliberadamente morto por crime, conflito civil ou pelo Estado do que em um número substancial de outros países na África, Ásia e Américas. Os emigrantes judeus da URSS para Israel lá reviveram o cenário musical clássico, pois vinha de um país onde ir a concertos ainda fazia parte do comportamento culto, pelo menos para judeus. Os habitantes de Moscou e Varsóvia se preocupavam menos com o que preocupavam os de Nova York ou Londres: taxa de crime em visível ascensão, insegurança e violência imprevisível de jovens anômicos.

O regime soviético não era apenas autóctone e com raízes internas, mas as próprias pessoas, de forma difíceis de especificar, se encaixavam nele, à medida que o regime a elas se adaptava. Como observou o satirista dissidente Zinoviev, realmente havia um ‘novo homem soviético’ (ou mulher): ele/ela estava à vontade no sistema, que lhe assegurava um meio de vida e uma abrangente seguridade social, em nível modesto, mas real, uma sociedade social e economicamente igualitária e pelo menos uma das aspirações tradicionais do socialismo, o ‘direito ao ócio’, de Paul Lafargue. Além disso, para a maioria dos cidadãos soviéticos, a era de Brejnev significou não ‘estagnação’, mas os melhores dias que eles e seus pais, ou mesmo seus avós, já haviam conhecido.

Social e politicamente, a maior parte da URSS era uma sociedade estável, sem dúvida, em parte graças à ignorância em relação a outros países mantida pela autoridade e a censura, mas de modo algum só por esse motivo. Será por acaso que não houve um equivalente da rebelião estudantil de 1968 na URSS, Polônia, Tchecoslováquia e Hungria? Que mesmo sob Gorbachev o movimento de reforma não mobilizou os jovens em nenhuma medida importante? Que tenha sido, como se dizia, ‘uma rebelião dos 30 e 40 anos’, ou seja, da geração nascida após o fim da guerra, mas antes do confortável torpor dos anos Brejnev? De onde quer que tenha vindo a pressão pela mudança na URSS, das bases não foi (76% dos eleitores num referendo de março de 1991 votaram pela manutenção do país).


A URSS foi e é a prova de que um mundo diferente (e melhor) é possível apesar das dificuldades.



Fontes e bibliografia:

1) BARAN, P. ''Desenvolvimento econômico rápido''. In: _____. A economia política do desenvolvimento. São Paulo: Abril Cultural, 1986.

2) GOWANS, Stephen. ''Do publicy-owned, planned economies work?''. Disponível em: http://boradiscutir.blogspot.com.br/…/uma-economia-socialis…

3) HOBSBAWM, E. J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das letras, 1995.

4) __________. ''Ressurgindo das cinzas''. In: BLACKBURN, Rubin. Depois da queda: o fracasso do comunismo e o futuro do socialismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

5) HUNT, E. K. História do pensamento econômico: uma perspectiva crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

6) MAKAVELLI, Jones. ''Ser negro na União Soviética e nos Estados Unidos: uma comparação histórica''. Disponível em: http://boradiscutir.blogspot.com.br/2015/03/ser-negro-na-uniao-sovietica-e-nos.html

7) MEDVEDOVSKY, Aleksander. ''No dia da vitória, um lugar para a bandeira russa''. Disponível em: http://br.sputniknews.com/opiniao/20150504/928159.html#ixzz3ZEGTqaCC


8) MATHEUS, Allefy. "A URSS em 1947". (blog Bora Discutir)