Pintura de Pieter Bruegel the Elder. |
O breve escrito aqui são apenas anotações melhoradas das leituras realizadas que perpassam os
estudos filosóficos e estéticos de Lukács; eles, por sua vez, envolvem questões que fazem parte de
um antigo interesse pelas origens do conhecimento humano para o autor, a relação homem e natureza.
A questão da estética, sob prisma da filosofia não é, de modo algum, um tema
marginal no filósofo húngaro. Tanto é verdade, desde jovem, seus escritos eram
fundamentalmente “estéticos”. Embora consignada às teses kantiana e, posteriormente,
hegeliana, que transitaram de suas obras “inaugurais” (“A Alma e as Formas” –
1910 e “Teoria do Romance” (1915), ainda antes dos seus 30 anos de idade que
lhe deram repercussões notáveis. Dessa maneira, vemos o percurso intelectual de
Lukács saindo o Idealismo subjetivo para caminhar ao Idealismo objetivo na sua
juventude. Será, portanto, a partir dos anos 30 que, somada às publicações das
obras de Marx e Engels, na União Soviética, Lukács relata sua “guinada
marxista”.
Logo, seu
percurso estético tomará nova roupagem e princípios, sobretudo com as
publicações da “Ideologia Alemã” e dos “Manuscritos Econômicos-Filosóficos”
mostraram-no crucialmente o novo itinerário lukácsiano. Para fins de
objetividade, a comunicação centrará, portanto, nos seus escritos posteriores à
década de 30, ou seja, sua fase marxista, como filósofo herdeiro e continuador
do legado de Marx e Engels. É posteriormente que pode ser encontrado sua obra
“O romance histórico”, escrito em Moscou, entre 1936 e 1937. Nesse ínterim, o
filósofo sempre julgou fundamental a questão da estética para o marxismo.
Antes de
qualquer coisa que possa dizer sobre a estética marxista, ou seja,
materialista, é preciso advertir: ao contrário da crítica vulgar, moralista e
até mesmo romântica, o marxismo não tem como pedra angular uma análise
sociológica. Tampouco pensa toda arte burguesa está inferiorizada ou
necessariamente um juízo de valor negativo, sem quaisquer considerações
efetivas e de princípios que norteiam filosoficamente o procedimento
teórico-metodológico exposto.
É muito
comum, dentro de uma esquerda “romântica”, um denuncismo quase-comum da arte,
ao passo que, ao fazer concessões às artes de vanguarda, tem-se aqui um duplo
aspecto crítico e uma fragmentada compreensão do objeto observado. Esse
predomínio se encontra em seu trabalho de 1963, “Estética”. Em 1957, ele
publicava a “Introdução à uma estética marxista”, que nela o autor buscava,
então, pela “particularidade do estético”. Isso passava pela filosofia clássica
alemã, Kant, Schelling, Goethe, Schiller, entre outros. Nota-se que subtítulo
da sua “Introdução”, não por acaso, é “Sobre a particularidade como categoria
da Estética”.
Assim
feita as advertências iniciais, parece-nos pertinente enfatizar que o segundo
elemento, a partir do pensamento lukácsiano, mostra-se bastante vigoroso. Na
sua investigação sobre a “particularidade do estético”, ele afirma que “uma
criação realmente artística, [...] conserva sua validade artística mesmo que
todos os seus elementos estruturais, em seus aspectos formais e na técnica
artística, já tenham há muito tempo sido superados no curso da evolução”
(LUKÁCS, idem).
Dessa forma,
a categoria da particularidade ganha uma atenção especial na Estética de
Lukács. Por se constituir como o elo que garante a generalização artística, o
motivo que leva o autor a entender a precisão de escrever um livro
exclusivamente dedicado à tematização da relação que o particular mantém com os
extremos: singular e universal.
O autor
foi um grande conhecedor das produções relacionadas à filosofia da arte e à
estética na história da filosofia. Não obstante, ele referiu-se a Aristóteles,
como sendo aquele instaurador da peculiaridade do estético, porque seu
pensamento se situava longe da concepção de modelo e cópia, instituída por
Platão. Nas palavras de Lukács, assim escreve:
[..] pero en el pensamiento de Aristóteles la
fuerza pedagógica social del arte nace de su propia consumación estética, y no,
como en el pensamiento platónico, de la momificación o la simple supresión de
los principios propiamente estéticos. Como descubridor de la peculiaridad de lo
estético, Aristóteles ha fundado la esencia de ello en una cismundanidad humana,
en la búsqueda del justo “médio” de todas las actividades humanas (LUKÁCS,
1982, v.4, p. 381).
O particular
é produzido e imposto ao pensamento pela essência da realidade objetiva e, por
isso, ele precisa ser entendido como a mediação necessária entre a
singularidade e a universalidade pela mediação própria. Assim, na fruição
estética, os sujeitos sociais ultrapassam uma cadeia de heterogeneidades do
mundo cotidiano mais bruto possível, para assim identificar com a figuração
homogeneizadora que concentra toda a sua atenção para adentrar-se nesse mundo
particular – no caso, o estético –, fora das contingencias cotidianas que geram
as descontinuidades. Essa concentração da atenção, ou seja, esse momento
particular de esforço que emerge dessa mobilização das forças espirituais,
culturais, produz uma elevação do cotidiano sob a produção e fruição da arte.
Nesse âmbito é que autor
propõe uma distinção entre o que chama de reflexo científico e reflexo
artístico da realidade. Ambos seriam formas de conhecimento da vida e do mundo.
Contudo, Lukács estabelece uma hierarquia entre o conceito de reflexo
científico e reflexo estético da realidade: embora seja a partir da ciência que
o homem tenha procedido ao domínio e à transformação da natureza, é apenas a
partir do reflexo estético que o mundo pode se constituir enquanto “pátria do
homem”, acolhendo- o como a um ser social.
Pero, con el cresciente despliegue de la
cultura, la toma de posesión del mundo por el hombre requiere además que éste
ponga en relación consigo mismo el mundo externo que ha dominado prática y
fácticamente, que conquiste, com esa conquista, también una nueva pátria. Esta
necessidade es tan elemental como la que ha conducido al desarrrollo
independiente de las ciencias (LUKÁCS, 1972, p. 292).
Portanto,
o pensamento de Lukács nesse sentido permeia os aspectos cotidianos por meio do
reflexo estético, característico da literatura, por exemplo, na vida social dos
seres humanos e suas expressões literárias. O movimento particular do que é
próprio da arte, de ruptura e retorno ao cotidiano protesta contra as
tentativas de diluição na vida cotidiana em simples letargia da realidade ou
então uma postura de engajamento que dinamite o que há de mais essencial na
arte frente a realidade. Lukács faz essa busca na distinção do realismo e do
naturalismo; o segundo seria para ele uma postura até mesmo anti-humanista. O
realismo artístico tem seu lugar na estética não como postura exógena das
subjetividades humanas.
Em suma, a edificação de um
potencial de apreciação superior, de auto-reconhecimento e o pertencimento de
um vínculo onto-prático com sua objetivação mundana, encontra-se também na
arte. Sua particularidade mesma que propulsiona, dentro de sua função
específica no mundo social, as vicissitudes da elevação qualitativa de seu
espírito para aquela então requisitada catarse artística supracitada; isto é,
para que a devida apreciação e fruição do real existente e da vida humana, se
tornem possíveis. Conclusivamente, em outro momento, Lukács sintetizaria: “A
realidade é então, para a humanidade, não um caos estranho e hostil, mas sim um
lar a ser construído” (LUKÁCS, 2019, p. 244).
Bibliografia
ARISTÓTELES. Poética.
Tradução de Ana Maria Valente. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.
LUKÁCS,
Georg. Estética. Vol. 1. – La peculiaridade do estético. Tradução
de Manuel Sacristán. Barcelona/México: Grijalbo, 1972.
______.
Estética vol. 2. – La peculiaridade do estético. Tradução de
Manuel Sacristán. Barcelona/México: Grijalbo, 1972.
LUKÁCS, Gyorgy. Estética vol. 4 – La peculiaridad de lo estético.
Barcelona: Ediciones Grijalbo, 1982..
LUKÁCS, Gyorgy. Introdução à uma estética marxista: sobre a
particularidade como categoria da estética. São Paulo: Instituto Lukács, 2018.
LUKÁCS, Gyorgy. “Por que a burguesia precisa do desespero?”.
In: Anuário Lukács: Maceió, 2019.