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segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Notas sobre a “Estética” de Lukács

Pintura de Pieter Bruegel the Elder.


O breve escrito aqui são apenas anotações melhoradas das leituras realizadas que perpassam os estudos filosóficos e estéticos de Lukács; eles, por sua vez, envolvem questões que fazem parte de um antigo interesse pelas origens do conhecimento humano para o autor, a relação homem e natureza. A questão da estética, sob prisma da filosofia não é, de modo algum, um tema marginal no filósofo húngaro. Tanto é verdade, desde jovem, seus escritos eram fundamentalmente “estéticos”. Embora consignada às teses kantiana e, posteriormente, hegeliana, que transitaram de suas obras “inaugurais” (“A Alma e as Formas” – 1910 e “Teoria do Romance” (1915), ainda antes dos seus 30 anos de idade que lhe deram repercussões notáveis. Dessa maneira, vemos o percurso intelectual de Lukács saindo o Idealismo subjetivo para caminhar ao Idealismo objetivo na sua juventude. Será, portanto, a partir dos anos 30 que, somada às publicações das obras de Marx e Engels, na União Soviética, Lukács relata sua “guinada marxista”.

Logo, seu percurso estético tomará nova roupagem e princípios, sobretudo com as publicações da “Ideologia Alemã” e dos “Manuscritos Econômicos-Filosóficos” mostraram-no crucialmente o novo itinerário lukácsiano. Para fins de objetividade, a comunicação centrará, portanto, nos seus escritos posteriores à década de 30, ou seja, sua fase marxista, como filósofo herdeiro e continuador do legado de Marx e Engels. É posteriormente que pode ser encontrado sua obra “O romance histórico”, escrito em Moscou, entre 1936 e 1937. Nesse ínterim, o filósofo sempre julgou fundamental a questão da estética para o marxismo.

Antes de qualquer coisa que possa dizer sobre a estética marxista, ou seja, materialista, é preciso advertir: ao contrário da crítica vulgar, moralista e até mesmo romântica, o marxismo não tem como pedra angular uma análise sociológica. Tampouco pensa toda arte burguesa está inferiorizada ou necessariamente um juízo de valor negativo, sem quaisquer considerações efetivas e de princípios que norteiam filosoficamente o procedimento teórico-metodológico exposto.

É muito comum, dentro de uma esquerda “romântica”, um denuncismo quase-comum da arte, ao passo que, ao fazer concessões às artes de vanguarda, tem-se aqui um duplo aspecto crítico e uma fragmentada compreensão do objeto observado. Esse predomínio se encontra em seu trabalho de 1963, “Estética”. Em 1957, ele publicava a “Introdução à uma estética marxista”, que nela o autor buscava, então, pela “particularidade do estético”. Isso passava pela filosofia clássica alemã, Kant, Schelling, Goethe, Schiller, entre outros. Nota-se que subtítulo da sua “Introdução”, não por acaso, é “Sobre a particularidade como categoria da Estética”.

Assim feita as advertências iniciais, parece-nos pertinente enfatizar que o segundo elemento, a partir do pensamento lukácsiano, mostra-se bastante vigoroso. Na sua investigação sobre a “particularidade do estético”, ele afirma que “uma criação realmente artística, [...] conserva sua validade artística mesmo que todos os seus elementos estruturais, em seus aspectos formais e na técnica artística, já tenham há muito tempo sido superados no curso da evolução” (LUKÁCS, idem).

Dessa forma, a categoria da particularidade ganha uma atenção especial na Estética de Lukács. Por se constituir como o elo que garante a generalização artística, o motivo que leva o autor a entender a precisão de escrever um livro exclusivamente dedicado à tematização da relação que o particular mantém com os extremos: singular e universal.

O autor foi um grande conhecedor das produções relacionadas à filosofia da arte e à estética na história da filosofia. Não obstante, ele referiu-se a Aristóteles, como sendo aquele instaurador da peculiaridade do estético, porque seu pensamento se situava longe da concepção de modelo e cópia, instituída por Platão. Nas palavras de Lukács, assim escreve:

[..] pero en el pensamiento de Aristóteles la fuerza pedagógica social del arte nace de su propia consumación estética, y no, como en el pensamiento platónico, de la momificación o la simple supresión de los principios propiamente estéticos. Como descubridor de la peculiaridad de lo estético, Aristóteles ha fundado la esencia de ello en una cismundanidad humana, en la búsqueda del justo “médio” de todas las actividades humanas (LUKÁCS, 1982, v.4, p. 381).

O particular é produzido e imposto ao pensamento pela essência da realidade objetiva e, por isso, ele precisa ser entendido como a mediação necessária entre a singularidade e a universalidade pela mediação própria. Assim, na fruição estética, os sujeitos sociais ultrapassam uma cadeia de heterogeneidades do mundo cotidiano mais bruto possível, para assim identificar com a figuração homogeneizadora que concentra toda a sua atenção para adentrar-se nesse mundo particular – no caso, o estético –, fora das contingencias cotidianas que geram as descontinuidades. Essa concentração da atenção, ou seja, esse momento particular de esforço que emerge dessa mobilização das forças espirituais, culturais, produz uma elevação do cotidiano sob a produção e fruição da arte.

Nesse âmbito é que autor propõe uma distinção entre o que chama de reflexo científico e reflexo artístico da realidade. Ambos seriam formas de conhecimento da vida e do mundo. Contudo, Lukács estabelece uma hierarquia entre o conceito de reflexo científico e reflexo estético da realidade: embora seja a partir da ciência que o homem tenha procedido ao domínio e à transformação da natureza, é apenas a partir do reflexo estético que o mundo pode se constituir enquanto “pátria do homem”, acolhendo- o como a um ser social.

Pero, con el cresciente despliegue de la cultura, la toma de posesión del mundo por el hombre requiere además que éste ponga en relación consigo mismo el mundo externo que ha dominado prática y fácticamente, que conquiste, com esa conquista, también una nueva pátria. Esta necessidade es tan elemental como la que ha conducido al desarrrollo independiente de las ciencias (LUKÁCS, 1972, p. 292).

Portanto, o pensamento de Lukács nesse sentido permeia os aspectos cotidianos por meio do reflexo estético, característico da literatura, por exemplo, na vida social dos seres humanos e suas expressões literárias. O movimento particular do que é próprio da arte, de ruptura e retorno ao cotidiano protesta contra as tentativas de diluição na vida cotidiana em simples letargia da realidade ou então uma postura de engajamento que dinamite o que há de mais essencial na arte frente a realidade. Lukács faz essa busca na distinção do realismo e do naturalismo; o segundo seria para ele uma postura até mesmo anti-humanista. O realismo artístico tem seu lugar na estética não como postura exógena das subjetividades humanas.

Em suma, a edificação de um potencial de apreciação superior, de auto-reconhecimento e o pertencimento de um vínculo onto-prático com sua objetivação mundana, encontra-se também na arte. Sua particularidade mesma que propulsiona, dentro de sua função específica no mundo social, as vicissitudes da elevação qualitativa de seu espírito para aquela então requisitada catarse artística supracitada; isto é, para que a devida apreciação e fruição do real existente e da vida humana, se tornem possíveis. Conclusivamente, em outro momento, Lukács sintetizaria: “A realidade é então, para a humanidade, não um caos estranho e hostil, mas sim um lar a ser construído” (LUKÁCS, 2019, p. 244).

Bibliografia


ARISTÓTELES. Poética. Tradução de Ana Maria Valente. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.

LUKÁCS, Georg. Estética. Vol. 1. – La peculiaridade do estético. Tradução de Manuel Sacristán. Barcelona/México: Grijalbo, 1972.

______. Estética vol. 2. – La peculiaridade do estético. Tradução de Manuel Sacristán. Barcelona/México: Grijalbo, 1972.

LUKÁCS, Gyorgy. Estética vol. 4  La peculiaridad de lo estético. Barcelona: Ediciones Grijalbo, 1982..

LUKÁCS, Gyorgy. Introdução à uma estética marxista: sobre a particularidade como categoria da estética. São Paulo: Instituto Lukács, 2018.

LUKÁCS, Gyorgy. “Por que a burguesia precisa do desespero?”. In: Anuário Lukács: Maceió, 2019.