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terça-feira, 25 de abril de 2017

Marx: contra a “natureza humana”




O homem só pode – e deve – ser compreendido a partir das relações sociais engendradas. Como a sociedade produz o ser humano enquanto ser, assim produz a sociedade. O ser, nesse sentido, sempre foi (e ainda é) facilmente seduzido a aceitar determinada forma do ser humano como sendo uma essência.

Há de ser ressaltar: na medida em que isso acontece, o homem define a sua humanidade em termos da sociedade com a qual se identifica. Sempre houve seres olhando para além das dimensões da sua própria sociedade.

O mais importante filósofo alemão, Karl Marx, se preocupou também em sempre distinguir o homem dos animais por causa da consciência, da religião, etc. Mas na realidade os homens começam a produzir os seus meios de sobrevivência, pois, “Enquanto os homens produzem os seus meios de vida, produzem indiferentemente a sua própria vida material”. (Karl Marx)

Inclusive, o filósofo francês Jean-Paul Sartre também contesta que o homem seja pré-determinado, possuindo uma “natureza humana” que lhe condicione de forma determinística a ser apenas aquilo que se já é, tolhendo-lhe da liberdade de ser de outro modo. O homem não tem uma essência que precede sua existência, mas, pelo contrário, sua existência precede sua essência. Ele assim se expressa:

“O que significa, aqui, dizer que a existência precede a essência? Significa que, em primeira instância, o homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo e só posteriormente se define. O homem, tal como o existencialista o concebe, só não é passível de uma definição porque, de início, não é nada: só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si mesmo. Assim, não existe natureza humana, já que não existe um Deus para concebê-la.” (Jean-Paul Sartre, O existencialismo é um humanismo)


A questão da “natureza humana”, fundamentalmente, é ‘legitimada’ sob égide capitalista. Para argumentar que capitalismo é inevitável e outras patranhas mais, seus defensores associam ser humano à cobiça, à rivalidade, a ostentação e a famigerada “competição”. Marx, com todo seu primor, desmontou tal crença divinal nefasta.

Diante do carcomido “ceticismo” e da estupidez epistemológica aqui se encontram alguns sujeitos a verem a aparência com roupagem milagrosa da “selvageria” humana. A distorção da realidade, isto é, a alienação enquanto ser provém das masturbações que ainda não lhe tiraram a virgindade social.

A soturna visão de Thomas Hobbes no “Leviatã” sobre a sociedade humana cai no mesmo equivoco da análise em causa própria da burguesia sobre a natureza humana. Sociedades pré-agrícolas, organizadas em torno de um primitivo modo de produção, estavam longe de ser “imundas, brutais e curtas” tal como ele pensava de acordo com as conclusões dos modernos estudos históricos e antropológicos.

O ser humano, com sua criação, encontra-se em relação com este ambiente social, com a sociedade, modificando a sua própria ação, desenvolvendo as suas capacidades e suas produções; numa palavra deve entrar na história. A criação do homem é uma criação da sua própria vida, uma criação progressiva. Assim das diversas relações espirituais, políticas, etc. Não há, absolutamente, uma história própria, qualquer desenvolvimento próprio; mas são os homens que modificam com esta realidade por eles criada, também o seu pensamento e os produtos do seu pensamento. Até porque “Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência”.

O que nos preocupa mais que esta “natureza humana”? De acordo com a lógica capitalista, arrumada sobre seus “agentes”, os seres humanos são fundamentalmente mesquinhos, seres egocêntricos que somente podem ser compelidos para a ação com a promessa de lucro pessoal. (Pobres catadores de lixos e mendigos, desempregados e demais marginalizados.) Essa interpretação concebe o capitalismo na ânsia do “livre-mercado”, ou seja, um subproduto medíocre natural desta ambição, à sede social-darwinista por domínio e extravagância material. Assim, qualquer sistema que ignore esta “natureza humana” essencial está condenado à corrupção no topo e à letargia na base.

Isso nada mais passa da propaganda burguesa concernente à história do socialismo reforçada neste entendimento torpe catequisado nas missas dominicais da TV com os apresentadores “de boa-fé” na autoajuda do desespero real.

O argumento da “justiça” na propriedade privada foi sempre a pedra angular do ‘liberalismo’. Se o direito à propriedade privada fosse ameaçado, argumentaram os bons picaretas “liberais”, a liberdade seria destruída. Se a possibilidade de acumulação ilimitada de capital fosse reduzida, ou o direito de herança condicionado, as restrições à busca do enriquecimento teriam consequências catastróficas: o crescimento econômico seria sacrificado, a inovação tecnológica inibida e o espírito de iniciativa amputado. A sociedade estaria condenada ao atraso, à estagnação e até à preguiça. (Ou seja, nada melhor que criar o inferno para punir “hereges” do que saber da sua existência.)

Na sociedade contemporânea, a condição de classe é determinada pelo direito de herança, na mesma proporção em que em outras épocas era garantida pelo berço familiar. Pior; na maior parte do mundo, as oportunidades de ascensão social ou permaneceram estagnadas ou vieram diminuindo no último quarto de século. A geração mais jovem desconfia que não vá melhorar suas condições de vida, comparativamente, às de seus pais.

BRILHANTE! Assim a “natureza humana” perde seu “egoísmo”, não é mesmo?

A mobilidade social foi reduzida, tanto no centro como na periferia do capitalismo. As possibilidades de melhorar de vida pelo talento ou pelo esforço vieram sendo reduzidas. A inteligência ou a perseverança, a criatividade ou a audácia são aptidões que podem ser encontradas em todas as classes. Porém, a ironia é que será encontrada, com maior frequência, entre os trabalhadores.

Por isso, a ideologia que consiste em levar o liberalismo às últimas consequências em termos de teoria, exatamente como nenhum liberal conceberia levar a sério na prática. Pois não passa de especulação de ideias da parte de quem não possui capital com especulação no mercado. Brinquedo sub-acadêmico da pequena-burguesia desejosa de um capitalismo para ‘micro-empresários’... Um mar onde as piabas não somente nadam em meio a peixes e tubarões, como ainda mandam neles.

Recordaremos o que o bom e velho Marx nos diz na “A Ideologia Alemã”:

(...) A propriedade privada aliena não apenas a individualidade do homem, mas também a das coisas. O solo nada tem a ver com a renda territorial, a máquina nada tem a ver com o lucro. Para o proprietário de terras, o solo significa unicamente renda territorial; ele arrenda suas parcelas de terra e embolsa a renda; uma qualidade que o solo pode perder sem perder qualquer uma de suas qualidades inerentes, sem perder, por exemplo, uma parte de sua fertilidade; uma qualidade cuja proporção, e até a existência, depende de relações sociais que são estabelecidas e superadas sem a participação do proprietário fundiário individual. O mesmo se dá com a máquina. Shakespeare já sabia, melhor do que o nosso teorizador pequeno-burguês, quão pouco o dinheiro, a forma mais universal da propriedade, tem a ver com a singularidade pessoal, e o quanto lhe é, inclusive, contraposto(...)”. (Ideologia Alemã, pp. 223-5, ed. Boitempo)


Convém lembrar que a essência humana da natureza existe unicamente para o homem, e a existência natural do homem torna-se para ele em existência humana; a natureza transforma-se em homem. Assim a sociedade é a unidade essencial que chegou à sua realização, estabelecendo a identificação do homem. Como a natureza, alcançando a verdadeira ressurreição da natureza, realizando o naturalismo completo do homem e o humanismo completo dela.

Esses argumentos de “natureza humana”, “egoísmo por natureza”, etc. não têm, no entanto, o mais mínimo fundamento científico. Em oposição à visão de uma natureza humana inflexível, Marx nunca defendeu a visão simétrica e ingênua de uma humanidade generosa e solidária. Nem fundamentou a necessidade da igualdade social em uma suposta igualdade natural. O que Marx afirmou é que a natureza humana tem dimensão histórica e, portanto, se transforma. 

O darwinismo deixou-nos um extraordinário alerta. A vida é delicada e a extinção não é excepcional. A extinção é o padrão mais regular. Porém, o darwinismo exerceu também uma influência duradoura – e desastrosa – sobre as ciências sociais. Os nacionalismos exaltados das potências europeias, no final do século XIX, apropriaram-se abusivamente da ideia de uma competição individual pela sobrevivência dos mais adaptados, para justificar a conquista de um Estado sobre outros. Não fosse isso o bastante, defenderam a ideia abjeta do domínio de uma civilização sobre outras e, no limite mais repulsivo do nazismo e o fascismo, de uma suposta raça superior sobre outras. Os mais desenvolvidos economicamente seriam os mais capazes.

E assim Marx, pontualmente, comenta:

O que me diverte em Darwin, o qual voltei a examinar, é ele dizer que aplica a teoria malthusiana ‘também’ às plantas e animais, como se a graça toda do Senhor Malthus não consistisse em que ela ‘não’ é aplicada a plantas e animais, mas tão somente a homens - com a progressão geométrica - em contraposição a plantas e animais. É notável como Darwin consegue reconhecer entre bestas e plantas a sua própria sociedade inglesa com sua divisão do trabalho, concorrência, abertura de novos mercados, ‘invenções’ e a ‘luta pela existência’ malthusiana. É o “bellum omnium contra omnes” de Hobbes, e lembra Hegel na ‘Fenomenologia’, onde a sociedade burguesa figura como ‘reino animal do espírito’, ao passo que, em Darwin, o reino animal figura como a sociedade burguesa.”(...) (MARX, K. Carta para F. Engels (1859). apud LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social II. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 459).


As ideias dominantes em qualquer época são as ideias da classe dominante, e quando esta classe pode decidir o destino social e econômico dos dominados, espera-se que os últimos adaptem sua ‘natureza’ a estas circunstâncias. Os seres humanos são criaturas sociais e, para obter a produção social, eles incorporam seus esforços individuais dentro da superestrutura cultural da sociedade em que vivem.

Em suma, meus amigos, a história foi – e é – um processo cultural de readaptação da humanidade. O ser humano é um ser aberto ao mundo e sempre será o que ele fizer de si mesmo. Essa capacidade de autotransformação foi uma das constantes que oferecem coerência interna à própria história, e permite a verdadeira compreensão. Por isso, a esperança triunfará! UNI-VOS!


Referências bibliográficas:


MARX, K. (Carta para F. Engels (1859). apud LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social II. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 459)

MARX, Karl. (“Ideologia Alemã”, pp. 223-5, ed. Boitempo)

SARTRE, Jean-Paul, (“O existencialismo é um humanismo”)

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