Como já feito de outras vezes, o camarada Allefy Matheus, dispôs a compartilhar o que ele posta em
seu blog (que, aliás, recomendo).
O artigo baixo é a versão traduzida deste
artigo, que, por sua vez, é o resumo de um artigo (citado ao fim do texto)
de David Kotz e Fred Wair. Ei-lo:
71 anos se passaram após a grande vitória da URSS na Guerra Patriótica! |
Mais e mais intelectuais, especialistas em suas áreas,
estão repensando visões generalizadas sobre a União Soviética. Um dos mitos mais difundidos é o do colapso econômico, e é também dos que
mais vem sendo contestado. De acordo com este mito, a queda da URSS teria
sido devida principalmente a uma crise econômica brutal (pela ineficiência do
sistema). Mas na Rússia, como em outros lugares, muitos pensam que a queda da
URSS não teve muito a ver com uma suposta crise econômica, mas que foi um
processo iniciado pelas elites da
própria URSS, e a crise econômica não seria a causa da reforma, mas sua
consequência, embora tenha sido usado como uma desculpa. Esta é uma crença
bastante difundida na Rússia (ver por exemplo, os estudos de Kara-Murza e
outros, alguns deles até mesmo traduzidos em espanhol), mas também
compartilhada por outros. Aqui, por exemplo, eu apresento um resumo de um
artigo de David Kotz e Fred Wair, publicado na revista húngara à esquerda “Eszmélet’’
(‘Consciência’). O artigo é um resumo de seu livro “Revolução de cima:
o desaparecimento do sistema soviético”.
Em relação ao artigo, eu não concordo com tudo o que os
dois autores discutiram, mas no geral acho que é uma análise muito
interessante.
Os autores partem da ideia, que tentam demonstrar no texto,
que, embora a URSS tivesse graves problemas
econômicos, não havia nenhuma
indicação de que houvesse qualquer perigo de colapso econômico, e este não
ocorreu até que a elite do país destruiu o sistema econômico existente. Foi a
estrutura não-democrática do país que causou o desastre, e não a economia
planificada.
Eles começam falando da
planificação soviética e de sua história:
Desde
1917 os bolcheviques testaram várias estratégias quanto à estrutura econômica
do país; apenas na década de 1920 é que surgiu o chamado sistema soviético. Se
caracterizava pelo fato de que todas as empresas agrícolas eram de propriedade
pública e eram dirigidas, em última instância, por uma instituição central de
Moscou.
Usina hidrelétrica de Dniépr (construída entre 1927 e 1932). A foto é de 1947. |
Apesar disso, a economia soviética teve um forte
crescimento e um desenvolvimento rápido. Muitos pensam que este rápido
crescimento foi alcançado pelas medidas de repressão contra certos setores da
sociedade, bem como pelas condições de vida difíceis. Mas os autores
dizem, muito pelo contrário, que o regime stalinista desacelerou o
crescimento econômico, que poderia ter sido muito maior do que realmente era.
Entre 1928 e 75 a economia soviética cresceu a uma taxa de 5,1% ao ano. Entre 1950 e 75, quando a
economia já havia se industrializado, o crescimento econômico soviético
permaneceu elevado, ainda mais do que os EUA.
O sistema soviético teve muitas vantagens sobre o capitalismo: o pleno emprego, a possibilidade de
utilizar os lucros das empresas maciçamente no desenvolvimento da educação e da
formação e o fato de não ser afetado pelas crises
periódicas do capitalismo.
Nem tudo pode ser medido pelo PIB ou crescimento econômico,
mas, em 1975, o país atrasado que havia sido a URSS havia se tornado uma
potência econômica que de muitas maneiras competia com os EUA, e estes chegavam
a estar em desvantagem numérica em alguns casos (veja o exemplo da corrida
espacial).
Quebra-gelo atômico "Lenin", o primeiro navio de superfície no mundo alimentado por energia nuclear (1959-1989) |
Se, em 1960, metade de todas as famílias soviéticas tinham
rádio, 10% televisão e 1 em cada 25 freezer, em 1985 todas as famílias tinham
esses aparelhos. Em 1980, a URSS tinha mais médicos e leitos hospitalares
do que os EUA. Na década de 70 o desenvolvimento científico, tecnológico e
econômico da URSS foi seguido com alarme pelas potências ocidentais. Muitos
pensaram que o futuro pertencia ao regime soviético, com suas grandes
conquistas, apesar de seus traços negativos.
No entanto, desde 1975, a economia soviética interrompeu o
rápido desenvolvimento que teve até então. E o progresso tecnológico também
parara. Pela primeira vez em décadas a economia americana crescia mais rápido
que a soviética. Além disso, a corrida armamentista, reforçada pela
administração Reagan, afeta-a seriamente.
Em 1985 Gorbachev chega ao poder, e a elite dirigente da
URSS reconhece que reformas são necessárias. Mas suas reformas não trouxeram
uma melhoria da situação, e a produção seguiu sem decolar. Entre 1985 e
1989, o crescimento econômico soviético médio foi de 2,2%, em vez dos 1,8%
entre 1975 e 1985. Mas, desde 1975, nunca houve um crescimento negativo,
enquanto que nos EUA ocorreu ao longo de três anos.
Até o fim dos anos 80, a escassez de mercadorias se
acentua. Para analistas ocidentais isso significavam os primeiros sinais de
colapso, mas a explicação era outra; a razão era que a renda das famílias
aumento muito mais do que a produção de artigos de consumo. As culpadas disto
eram as reformas econômicas, que haviam descentralizado a produção e deixado de
regular a renda.
Assim, se a meados dos anos 80 a renda familiar cresceu
3-4% ao ano, em 1988 saltou a 9,1% e em 1989 a 12,8%. No entanto, os preços,
que ainda não tinham sido estabelecidos pelas instituições centrais, não
mudaram quase nada. Então as pessoas viram-se com um monte de dinheiro nas
mãos, dos quais queriam se livrar o mais rápido possível. Em seguida, viu-se as
lojas ficarem completamente vazias. O consumo, na realidade, continuava a
crescer.
É verdade que a economia soviética não conseguiu um
crescimento notável nos anos 80, mas a imagem do colapso econômico é falsa.
Porém, a coisa muda entre 1990 e 1991. Gorbachev está
perdendo poder para Yeltsin. Em maio de 1990 Yeltsin ganhou poder na Federação
Russa, e tentou concentrá-lo todo em suas mãos, tirando-o das autoridades
soviéticas. Assim, as instituições de planificação econômica encontraram-se sem
qualquer poder real, e a economia soviética, que era um todo homogênea, começou
a desabar lentamente. É importante destacar: a crise não veio da
incapacidade da economia planificada, mas do seu desmonte, que levou a uma
ausência de meios de coordenação eficazes.
O operário e a camponesa (1937), de Vera Mukhina, na era soviética. |
A
elite escolhe o capitalismo:
Como é
possível que o regime soviético tenha caído sem oposição aparente?
Gorbachev
e seu círculo pensavam que o principal defeito do regime soviético era a falta
de democracia; por isso, desenvolveram a Perestroika (reestruturação).
Formam-se 3 grandes grupos de opinião: os partidários da reforma, os
partidários da manutenção do sistema como estava e os que rejeitavam o
comunismo (“ultrapestroikistas”). Os anticomunistas, liderados por Yeltsin, se
impôs a todos, porque conseguiu o apoio das elites do país.
Os estudos de Alec Nove, Farmer e Matthews e outros mostram
que após a Segunda Guerra Mundial a elite soviética era uma casta ambiciosa e
sem princípios definidos; só se importava com poder e ganhos pessoais. Em
1991, muitos membros desta elite reconheciam abertamente que não eram
comunistas, embora estivessem no Partido Comunista. Esta raça de oportunistas avaliou
as suas opções com a chegada das reformas de Gorbachev: não lhes beneficiava o
socialismo democrático de Gorbachev e muitos poucos membros dessa elite
apoiavam o retorno ao sistema anterior. Ainda que esse sistema lhes tivesse
dado poder, era limitado, uma vez que não possuíam a propriedade privada e,
portanto, o acúmulo de bens.
Quando, em 1991, há
uma tentativa de golpe contra as reformas, a mesma falha porque a elite se
posiciona a favor de Yeltsin. Esta elite estava ansiosa para obter a posição de
que gozaria no ocidente. E compreendeu que sua posição no país como novos
capitalistas oferecer-lhes-iam muitas vantagens.
Assim aconteceu, por exemplo, com Viktor Chernomirdin,
primeiro ministro do governo russo entre 1992 e 1998, que tinha sido ministro
de produção e tratamento de gás durante a era soviética. Hoje é um dos homens
mais ricos do mundo e maior acionista da GAZPROM. Segundo uma análise, entre os
100 mais destacados homens de negócios da Rússia, 62 eram membros da elite
comunista e 38 vêm do mercado negro e do mundo do crime.
Um estudo de junho de 1991 da cientista política
norte-americana Judith Kullberg mostra que 77% da classe alta soviética era
partidária do capitalismo, 12% do socialismo democrático e 10% do comunismo ou
nacionalismo.
De acordo com um estudo realizado em 1991 por uma fundação
americana na Rússia europeia, 10% da população queria voltar para o sistema
anterior às reformas, 36% eram a favor do socialismo democrático, 23% do modelo
social-democrata sueco e apenas 17% queriam um sistema similar ao capitalismo
americano ou alemão. Ou seja, 69% queriam alguma forma de socialismo.
Outros estudos e pesquisas mostram taxas ainda mais baixas
de apoio ao capitalismo ocidental.
Os reformistas
dominavam as estruturas do poder soviético, mas os partidários do capitalismo
dominavam as russas, por isso seu principal objetivo era destruir de alguma
maneira a URSS. O referendo de março de 1991, entretanto, mostrara que a
maioria da população era contra algo do tipo.
No
artigo também se mencionam dados interessantes sobre a economia da URSS:
Crescimento
econômico entre 1928 e 1985:
1928-40:
URSS- 5,8% EUA- 1,7%
1940-50:
URSS- 2,2% EUA- 4,5%
1950-70:
URSS- 4,8% EUA- 2,9%
1975-85:
URSS- 1,8% EUA- 2,9%
Fonte: The
Real National Income of Soviet Russia since 1928, Abraham Bergson, 1961;
Measures of Soviet National Product in 1982 Prices, Joint Economic Committee,
U.S. Congress.
Crescimento da economia soviética entre
1986-1991:
1986:
4,1%
1987:
1,3%
1988:
2,1%
1989:
1,5%
1990:
-2,4%
1991: -12,8%
Fontes: Measures
of Soviet National Product in 1982 Prices, Joint Economic Committee, U.S.
Congress.
Fonte
do artigo: http://www.freeweb.hu/eszmelet/38/kotzweir38.html
Nota: O
artigo foi escrito originalmente para o Fórum Comunista.
show
ResponderExcluir