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segunda-feira, 18 de julho de 2016

Mises e sua praxeologia


À esquerda o Hayek e do seu lado o grande ''parsa" Mises (ambos austríacos).


O bom austríaco Ludwig von Mises certa vez disse que “a história só ensina àqueles que sabem como interpretá-la com base em teorias corretas”.

Caramba! Esse Mises era ruim demais com frases de efeito... Deixo uma do Paulo Freire bem melhor: “A teoria sem a prática vira ‘verbalismo’, assim como a prática sem teoria, vira ativismo. No entanto, quando se une a prática com a teoria tem-se a práxis, a ação criadora e modificadora da realidade.”. 

Pronto, agora está melhor.

Graças às intuições de Murray N. Rothbard (sim, esse economista usava “intuição” para analisar questões econômicas), ele achava que a crise de 29 foi “culpa” do efeito líquido docontinuum Roosevelt das políticas públicas foi ‘piorando’ a crise e prolongá-la quase até o fim da década de 1930. A Grande Depressão foi uma falha do estado hiperativo, não do capitalismo, segundo ele. Não ria, ele escreveu isso no livro “Anatomia do Estado”.


Então, sendo assim, vou contar algo bem divino a vocês:


Primeiro vou lhes confessar rapidamente como o “Deus-mercado” abandonou seus fiéis na Grande Depressão de 29. O Santo-Estado foi obrigado a intervir.

A intervenção do Estado na economia foi a solução encontrada para acabar com a crise de 1929, que foi o chamado New Deal. No governo de Franklin Delano Roosevelt, foi colocado em prática o plano. De acordo com o plano econômico, o governo norte-americano passou a controlar os preços e a produção das indústrias e das fazendas. Com isto, o governo conseguiu controlar a inflação e evitar a formação de estoques. 

Até a Crise de 1929, a economia era liberalista, onde dizia-se que a economia não precisaria da intervenção do Estado. A economia teria algo chamado “Mão Invisível”, onde ela mesma se regula. A crise de 29 foi a prova que isso não funciona perfeitamente. 

Após o Crash, houve uma ação, desenvolvida pelo economista britânico John Maynard Keynes, onde faziam com que a população trabalhasse em construções de praças e outros bens públicos, ganhasse um salário, mesmo que pouco, e assim compravam os produtos.


Provou-se que há a necessidade de que o Estado seja um regulador econômico, analise de forma macroeconômica e identifique onde precisa de ajustes. Um exemplo claro seria na taxa Inflacionária, que é gerado quando há um consumo maior que a oferta, gerando aumento nos preços. Assim o governo intervém buscando, através de aumento de impostos, a diminuição do consumo.



Agora podemos contar sobre o Reino Encantado do livre-mercado:


De acordo com a teologia ‘libertária’ ou ‘liberal’, o livre-mercado é sempre mais eficiente do que qualquer forma de “socialismo” ou intervenção governamental, como os serviços de saúde gratuitos adotados por certos países. Muito belo, ou não.

Ainda segundo essa mitologia, isso acontece porque num mercado livre no qual todos os agentes envolvidos são privados e a intervenção estatal é mínima ou nula os mecanismos de incentivo e a competição promovem a competição e elevam a produtividade, reduzindo os custos. Foi com base nesse dogma que os Estados Unidos – o contrário da maioria dos outros países desenvolvidos - se recusaram a programar serviços de saúde gratuitos (“single payer universal health care”).

Naquele país, a maioria dos cidadãos paga plano de saúde particular e mesmo assim frequentemente os planos não cobrem tudo, sendo que é comum pessoas morrerem por não poder pagar quimioterapia ou mesmo venderem a própria casa para pagar uma conta de hospital, coisa que jamais acontece com italianos, noruegueses, canadenses, australianos ou franceses – mesmo os mais pobres.

Observe que nos países que possuem serviços de saúde gratuitos, teoricamente (de acordo com os ‘liberais’/libertários), os gastos per capita com saúde deveriam ser mais altos, uma vez que os tratamentos sendo “gratuito”, o paciente não arcam diretamente com os custos e, portanto, tem incentivo para abusar do sistema nesses países. Ninguém jamais deixa de fazer tratamento por falta de dinheiro. Tudo isso deveria elevar os custos e os gastos per capita com saúde nos países com saúde gratuita, certo?

ERRADO! Se analisarmos o gasto per capita com saúde de todos os países do mundo, inclusive as sociais-democracias da Europa, o Canadá e a Austrália, descobrimos que os Estados Unidos ocupam o primeiríssimo lugar. O cidadão estadunidense gasta em média bem mais do que Noruega, Holanda, Alemanha, Suécia, Dinamarca e mais que o dobro do que gastam Canadá, Reino Unido, Austrália e França. Isso é verdade tanto em termos de gasto per capita, quanto em termos de gasto total em proporção do PIB.


Sim, amigos, esta é a realidade incômoda para os que têm fé inabalável na palavra da profetisa judia Ayn Rand e no Deus-mercado!


A realidade não corrobora sua mitologia. Tanto é verdade, que a principal demanda dos eleitores na atual campanha eleitoral nos EUA é nada menos que saúde pública gratuita para todos. Lembre-se disso a próxima vez que alguém repetir aquela frase de efeito da queridinha Margareth Thatcher que “o socialismo dura até acabar o dinheiro dos outros”. A propósito, não consta que os canadenses, suecos e australianos financiem seus serviços de saúde com o “dinheiro dos outros”, mas com seu próprio.


Os fracos pressupostos filosóficos de Mises:


O principal livro de Ludwig Von Mises, “A Ação Humana”, não tem este nome à toa. A economia, ao contrário da história, segundo ele, não é uma ciência do passado e dos dados já acabados. O homem é um ser de ação, e até quando não age sua inação é uma escolha. Ação pressupõe desconforto, a tentativa de migrar de uma situação menos satisfatória para uma melhor, segundo uma avaliação subjetiva do agente.


 “Racionalismo, praxeologia e economia não lidam com as causas e objetivos finais da ação, mas com os meios usados para a consecução do fim pretendido. Por mais insondáveis que sejam as profundezas de onde emerge um impulso ou instinto, os meios que o homem escolhe para satisfazê-lo são determinados por uma consideração racional de custos e benefícios” (Ação Humana, p.40; Epistemological Problems of Economics, p. 52).


Primeiro, não apenas as motivações externas (e internas) determinam a ação, mas também os meios externos e as capacidades próprias do sujeito; segundo, é evidente que os indivíduos pensam, mesmo que mal e parcamente, o que irão fazer o que nada mais é que um truísmo. Se, entretanto, nisso aí entra uma "consideração racional de custos e benefícios", é algo que depende inteiramente do que se busca fazer e, portanto, de todas as determinações mencionadas acima.

Sobre o nosso “economista” autor de um livro bem vendido onde ele expõe sua ‘teoria’, intitulado “A Ação Humana”, ele explica assim sua teologia, digo, PRAXEOLOGIA:


A praxeologia é uma ciência teórica e sistemática, e não histórica. Seu escopo é a ação humana e independe de qualquer circunstância ambiental, acidental e individual. [...] Suas afirmações e proposições não são derivadas através da experiências. São, como a lógica e a matemática, à priori. Não estão sujeitas à verificação ou falsificação baseada na experiência ou em fatos.”


Para quem quiser conferir, essa peripécia dele está escrita na seção 1 do capítulo 2 da Parte 1 do tal livro. Ludwig von Mises ainda afirmou que a demanda determina a oferta, ou seja, o consumo determina a produção, através de um exemplo trivial para refinados economistas de boteco:


Não é porque existem destilarias que as pessoas bebem uísque; é porque as pessoas bebem uísque que existem destilarias”.


Muito sagaz ele com esse exemplo. Porque antes de haverem destilarias, as pessoas bebiam o uísque que jorrava da terra. E depois, para estimular a emergência da existência do uísque, resolveram inventá-las...

Primeiro que não existem ações sociais puramente reflexivas. Toda ação social é uma síntese de múltiplas alternativas, experiências e determinações de cada indivíduo. O erro da praxeologia é justamente o de considerar uma ação social ahistórica, apriorística, sem sua fundação material, com base unicamente na finalidade da mesma. Isto é, desconsiderando todas as alternativas, experiências, determinações, possibilidades e potencialidades que geram uma e não outra ação social desse e não daquele indivíduo. O acúmulo social se daria por meio dessa constante situação de busca por um estado de ser mais satisfatório para o indivíduo. Um completo subjetivismo que ignora os processos sociais (e até biológicos) na dinâmica da evolução do homem.

Segundo que Mises advogava pelas liberdades plenas de mercado livre de qualquer governo na economia, porém diz que todo indivíduo deverá ajustar suas ações segundo as leis do mercado caso queira ser bem sucedido. Ele é explícito ao dizer que a desigualdade é essencial para o funcionamento da economia de mercado (p. 347-9 da obra ‘Ação Humana’), cujo livre funcionamento seria por sua vez o pilar fundamental para a sociedade livre. Contudo, parece reconhecer que todos os indivíduos estarão sim constrangidos por forças externas nessa sociedade. Essa força externa seria o mercado, cujo funcionamento normal contém diversos riscos potenciais de abuso de poder. Em alguns enxertos Mises percebe o problema, mas não o questiona devido às suas definições filosóficas feitas a priori. 


A patranha mal arrumada do senhor Mises:


O objetivo da praxeologia é o conhecimento válido para todas as situações onde as condições correspondam exatamente àquelas indicadas nas suas hipóteses e inferências. Suas afirmativas e proposições não derivam da experiência. São como a lógica e a matemática. Não estão sujeitas a verificação com base na experiência e nos fatos. São tanto lógica como temporalmente anteriores a qualquer compreensão de fatos históricos.” (Mises, Ação Humana, p. 59).


Esta afirmativa é a antítese perfeita para um historiador, um antropólogo, etc. para seus estudos. É claramente a negação da História. Isso sem falar de um relativismo desgraçado que ele ideologizou como “pressuposto de filosofia”.

Formulando as premissas da teoria e tentar estabelecer um padrão lógico do que se pretende:


1) O ser humano toma ação para melhorar sua situação;

2) Essa ação é despida de seu caráter "histórico, sociológico, cultural, etc", numa tentativa de estudá-la em sua forma pura;

3) Influências externas condicionam a ação humana;

4) Nem toda ação humana busca melhorar a situação do indivíduo.

5) A economia pode ser estudada a partir das deduções lógicas derivadas dessas premissas.



O que chama atenção logo de cara é que duas das premissas estão em contradição. A premissa 1 e a premissa 4 são conflitantes. O ser humano age para melhorar sua situação, mas nem toda ação do ser humano busca melhorar sua situação. Ou o conceito foi mal definido, ou ele é contraditório em si mesmo. A finalidade é uma das últimas determinações na ação humana, temos um leque variado de determinações para a ação antes de pensar na finalidade. Na maior parte do tempo agimos de acordo com as "imposições culturais", com as regras sociais e com as leis do mercado.

Como já citado de maneira implícita, a ação humana é determinada, principalmente, pela condição histórica, social, cultural, econômica, etc. que o indivíduo se insere. As possibilidades materiais no nosso desenvolvimento determinam nossas potencialidades e, quando mais alternativas temos de apreensão da riqueza social ao longo do nosso processo de desenvolvimento, mais potencialidades desenvolveram e mais alternativas teremos para determinar nossa ação. Um exemplo bem claro é uma comparação simples: No Brasil, nossa principal força esportiva é o futebol. Na Coreia do Sul, a principal força esportiva são jogos eletrônicos, eSports (com exceções, obviamente). Não por acaso, o jogo eletrônico que o Brasil mais se dá bem a nível mundial é o Counter Strike, jogo que marcou gerações que frequentavam lan houses. Se isso não é uma determinação histórica, social, cultural e econômica que possibilita o desenvolvimento de um tipo específico de potencialidade, é um presente de Deus para o povo brasileiro... Ou seja, a premissa 2 invalida as conclusões tiradas na análise da ação humana em sua forma pura, pois a forma pura da ação humana, isto é, a essência da ação, reside justamente em seu caráter histórico, social, cultural e economicamente determinado.

A premissa 3 entra em confronto com a premissa anterior. Se influências externas alteram a ação humana, pretender estudá-la em sua forma pura a partir de um exercício intelectivo de abstração completa dessas mesmas influências externas invalida esse estudo. O que leva os seres humanos a agir é uma síntese de motivações objetivas e subjetivas, portanto a forma pura da ação humana, a essência do que leva o ser humano a tomar ação tem que ser estudada dentro dessas determinações, ou não é um estudo que apreende a realidade do objeto. 

Se todas essas estão mistificadas ou, no mínimo, equivocadas, é desnecessário dizer que as deduções lógicas a partir dessas premissas para poder estudar a economia obviamente cairão em mais equívocos que, por sua vez, invalidarão o estudo dessa economia. 

Nem entro no mérito da perspectiva de classe explicitamente delimitada da praxeologia, ficaremos só em termos teórico-epistemológicos mesmo.

Para finalizar, destaco que, nas últimas linhas da obra, Mises procura explicar os fatores externos que restringem a liberdade de escolha. No entanto, após destacar as restrições físicas (inevitáveis por natureza) e as “leis praxeológicas” (relações de causa e efeito existentes na cabeça), o austríaco destaca a inter-relação do indivíduo com o meio ambiente (?), porém considera nosso conhecimento sobre esse intercâmbio muito impreciso. Curioso, não? Quando o ideólogo passa a considerar o mundo concreto, síntese de múltiplas determinações, existente para além das vontades e desejos humanos, ele prefere dizer que não existe precisão suficiente. Talvez porque, necessariamente, lidar com o mundo tal como ele é, um todo articulado, excluísse a possibilidade de trabalhar com abstrações puras, vazias, situadas no reino das ideias pairando no éter.


Segue o trecho:


A liberdade de o homem escolher e agir sofre restrições de três tipos. Em primeiro lugar, estão as leis físicas a cujas inexoráveis determinações o homem tem que se submeter se quiser permanecer vivo. Em segundo lugar, estão as características e aptidões congênitas de cada indivíduo e sua inter-relação com o meio ambiente; tais circunstâncias, indubitavelmente, influenciam tanto a escolha dos fins e a dos meios, embora nosso conhecimento de como isso se processa seja bastante impreciso. Finalmente, existe a regularidade das relações de causa e efeito entre os meios utilizados e os fins alcançados; ou seja, as leis praxeológicas, que são distintas das leis físicas e fisiológicas.”(“A Ação Humana”, pág. 999).


Mises, em sua “praxeologia”, uma ideia dedutiva da ação do homem na Natureza para determinar seus princípios econômicos (uma pseudociência), sequer se ateve em dados empíricos e, provavelmente, Mises é apenas um ‘escritor’ de botequim para refinados ‘anjos’ das “trocas voluntárias” (porra, Hayek, para quê isso?) em um sistema coercitivo, no qual nem em seu país ele é reconhecido, muito menos na academia. O que se tem é jovem ‘intelectuais’ de Internet tentando usar suas ideias e difundi-las no Reino Encantado do livre-mercado teológico. 



Nota: partes do texto é composto por comentários de colegas coletados da Internet.

Atualizado no dia 01/03/17.



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