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sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

A tragédia shakespeariana no mundo do capital

Johann Heinrich Ramberg. Hamlet, Act III, Scene 4, Ghost, Queen, and Hamlet. Watercolor drawing, 1829


Às vezes me pego a pensar sobre a cotidianidade. Nesse âmbito, o “dois em um socrático” é onde que partilho do pensamento de Parmênides de Eléia: “O ser e o pensar se dão ao mesmo tempo, é uma só coisa (...) [,] sem o ser, no qual o pensar se encontra expresso, não há pensamento”.

Faço das palavras de meu nobre camarada Felipe Lustosa às minhas: “o egoísta, o reacionário, o preconceituoso, o biltre social, o flagelo da cidadania, o marginal, o xenófobo e etc. não são expressões da totalidade genérica humana e ‘da vileza e mesquinhez inatas à espécie’, expressas como epifenômenos genérico-sociais no ‘Leviatã’ de Thomas Hobbes. Mas, manifestações de uma parcela ampliada da totalidade que possui sua subjetividade despedaçada e sua humanidade mutilada, pelas relações de produção capitalistas, pelo processo de reificação e pelos complexos de alienação, os quais foram desvelados pela lupa de Marx.”.

Como na peça “Hamlet” de William Shakespeare, a qual li recentemente (uma leitura inspiradora e genial, como é marca do autor), resta-nos a tragédia após a loucura se materializar em meio as traições, violências, mortes, cujo personagem evidencia o retrato do mundo em si mesmo, por sentir-se impotente e solitário em meio ao seu mundo. Por intermédio de uma vivência dolorosa que o compele para a reavaliação e o conduz à morte. Shakespeare remonta a vida como ela é em seus abrutamentos dos sentimentos: amor, desconfiança, tristeza, ódio, vingança, presentes em nós no que há algo de podre do Reino da Dinamarca.

Se um homem não ouve, por um dia que seja, uma boa melodia ou sinfonia que revigore seus ouvidos humanos; se não pode ver uma boa película; ir ao teatro ou a um concerto assistir a um bom drama ou apresentação musical; se o sujeito não folheia uma boa obra filosófica ou de história uma vez por semana para pôr-se a conhecer e lubrificar seus olhos e exercitar seu intelecto; se não se pergunta de onde veio e qual a origem das coisas; ou deixamos de compor uma música, ensaiar um acorde, escrever um poema ou uma obra literária; conversar sinceramente com quem gosta ou deixar de expressar sua singeleza humana para seu outrem; ou vislumbrar a natureza bruta, este ser se barbarizou a cada suspiro de vida.

Contudo, é importante lembrar que a culpa não deve cair no indivíduo único, ao ser humano isolado, pois que o homem não é o que fez de si – ele é antes de suas escolhas próprias, o estado, a sociedade dos homens e o mundo humano objetivado enquanto pertencente a ele. Rousseau foi um magnifico pensador que em seu “Emílio” afirmara: “[...] aquele que inventa relações imaginárias que não têm nem realidade nem aparência é um espírito louco, alheio à sensação; aquele que não compara é, simplesmente, um espírito imbecil.”.

A pessoa que vive isolada ou pensa ser o umbigo do universo é, segundo Aristóteles descreve em sua “Política”, “[...] ou é uma besta, ou é um Deus”. Porém, superamos há muito o estágio das bestas à medida que humanizamos o ser e também estamos longe de sermos alguma divindade. A personalidade do indivíduo único, em seus gostos e caldo de cultura, são em larga medida condicionados pela materialidade das relações de produção, as quais estão subsumidas à valorização do valor e à circulação de mercadorias “consuetudo est altera natura”.

A cotidianidade do capital mutila ao sujeito que se perdeu materialmente ao passo que o exaure em espírito, sem que este perceba a raiz imanente de seu estertor. As potencialidades peculiares do ser social, enquanto tal dissipa-se no ar como feitiçaria e poeira. Contanto, sua raiz imanente subjaz na fábrica, no seu trabalho nas moendas de esforços, suor e sonhos do capitalismo: quimera fugaz e esfacelada, em sua “alma” comercializada.

Pensemos, aqui, o consumidor de lixo virtual, adulador de lixo artístico, o retardo mental Hollywoodiano cinematográfico, de astrologia fajuta e livros de autoajuda assinados por mercenários metidos a intelectuais.  A nossa sociabilidade em “decadência ideológica burguesa”, conforme desvela Lukács, por vaidades estéreis e condicionamentos estúpidos pela ideologia mercantil e alienante em sua generalidade, se torna a cada momento mais fascista, mesquinho, egoísta, e mistificado e violento.

Como o psicólogo Lev Vygotsky afirmou em seu conhecido artigo “A Transformação Socialista do Homem”, [...] essa mudança no comportamento e na personalidade humana tem que conduzir, inevitavelmente, à evolução do ser humano para um novo tipo, superior, para a posterior modificação do tipo biológico humano.”.

Um povo que não pensa criticamente e nem é estimulado a isto é como o Sol vedado pelas nuvens mais escuras e carregadas pela tempestade de obscuridade humana. E Shakespeare ultrapassa o nível de bom observador por conhecer muito bem o ser em estado embrutecido pelas relações que o descaracterizam. Ele não era um filósofo, entretanto, ouso dizer que ele era mais do que um dramaturgo: revela ali ainda cedo o espírito animalesco do ser irrefletido perante o meio obscuro a partir do mundo que o cerca.

Portanto, “A vida não examinada” – como afirmava Sócrates –, “é uma vida que não merece ser vivida”. Assim, a filosofia é a arma teórica do proletariado, do oprimido, ao passo que o proletariado e o oprimido tornam a arma prática da filosofia. A filosofa é a mente, e o proletariado, coração. A filosofia não pode se realizar sem seu corpo que é o proletariado, bem como o proletariado não pode emergir-se sem a realização da filosofia. 


sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

A crise incontornável do capital

Depois de mais alguns meses parado, retomo as postagens do blog! Dessa vez o assunto é economia política. Um breve texto, cujo qual, tem base através de um texto do meu amigo Diogo Zarzar em seu blog (Conhecimento Econômico):  Uma crise econômica sem fim?.

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O sistema do capital parece não aguentar-se por muito tempo. Não para menos os imperativos dele tornaram-se evidentes à sua incontrolabilidade e autoexpansão. Economistas vulgares do mainstream bem que tentam, entretanto, é inegável que a “gestão da crise” é o que lhes restam.

Os países sul-americanos estão todos em crise ou contendo gastos, impulsionados pelo rentismo, principalmente os mais importantes da região (Brasil e Argentina). A Venezuela, na época da alta de commodities, a grande vedete da América do Sul, hoje vive dias de tristeza e boicote econômico. Austeridade fiscal, inflação, brigas políticas, tink tanks liberais, etc. tomam conta do nosso cenário.

Espanha, Grécia, Irlanda, Portugal, Itália e afins não conseguem se recuperar da hecatombe fiscal de 2011. O leste asiático tem seus altos e baixos entre países como a China cuja cresce exponencialmente no mundo e a Índia (este segundo com uma desigualdade gritante); os periféricos da região estão em crises ou até mesmo com conflitos internos gravíssimos, como é o caso de Myanmar, Bangladesh, Iêmen (cujo há mais de 7 milhões de pessoas de famintos etc. A ONU alerta que vivemos a pior crise humanitária em 70 anos.

Nos anos 70, a crise dos emergentes e pobres decorria da alta do petróleo. Nos anos 80, da escalada da dívida pública via juros altos do FED e também do segundo choque do petróleo. Nos anos 90, sucateamento dos serviços públicos, diminuição de gastos públicos, demanda raquítica, desemprego absurdo, etc. com a desculpa neoliberal de ser “escolha racional” pela redução do Estado e despolitização dos setores produtivos e dos serviços essenciais.

Nos anos 2000 houve um inflacionamento das commodities devido ao crédito sub-prime dos EUA, aliado com a máquina belicista para financiar a “Guerra ao Terror” e o crescimento com apetite voraz da China, depois de ser reconhecida como “economia de mercado” pela OMC em 2001.

Agora, após o “crash” dos EUA de 2008/2009, houve a crise fiscal de vários países (inclusive da zona do euro) em 2011 e uma redução dos preços de commodities, além de valorização do dólar em relação a todas as outras moedas nacionais (sobretudo dos emergentes).

O Brasil, como outros vários outros, apostaram na abertura de mercado desenfreada (uma ideologia importada dos corredores de Chicago) com câmbio sobre apreciado e na destruição criativa de Schumpeter nos anos 90, mas não deu resultados expressivos.

Lembremos que há um imenso debate entre os sociais democratas intervencionistas sobre os termos “social desenvolvimentista” e “novo desenvolvimentista”. Os intervencionistas críticos – mas nem tanto – do governo Dilma falam que o governo da mesma seguiu o social desenvolvimentismo, ou “keynesianismo vulgar”, seguido do início do segundo mandato com um recuo neoliberal totalmente suicida com a austeridade fiscal. Bem apelidada de “austericídio”.

O governo Temer chegou com um verdadeiro “agendão” neoliberal bem daquela do final dos anos 90. Aprovaram a PEC 55 com maioria nas duas casas do legislativo; reformaram o ensino médio; colocaram o déficit nas contas do governo lá em cima para conseguir credibilidade do mercado; um privatista está na direção da Petrobras que agilizou venda de ativos da Petrobras (Petroquimica Suape, por exemplo); e a entrega do pré-sal aos especuladores estrangeiro, etc.

Não há, porém, dinheiro jorrando no mercado. Os Estados, por sua vez, por mais que setores reformistas insistam em dizer o contrário, tornaram-se reféns do financismo mundial. Não há perspectivas de soluções que não se passe pela ruptura total e radical desse financismo/rentismo. O Estado de Bem-Estar social, ao meu ver, está se exaurindo (link para artigo em pt.br), visto que o imperialismo e a intrínseca extração da mais-valia é necessário para sua manutenção (só pensarmos na expansão dos mercados dos países do norte europeu).

Apesar de toda incerteza e o completo fiasco da cartilha ideológica neoliberal e imperialista mundo a fora à custo gigantesco (seja humanitária ou seja ecologicamente), uma coisa é certa: o reformismo esgotou suas potencialidades; e, portanto, repensar por completo o modelo de produção torna-se urgente. Esse modelo tem nome – o socialismo – como forma de superação das contradições internas ao capitalismo e da barbárie.


Pode anotar, seu otaku fedido!