Johann Heinrich Ramberg. Hamlet, Act III, Scene 4, Ghost, Queen, and Hamlet. Watercolor drawing, 1829 |
Às vezes me pego a pensar sobre
a cotidianidade. Nesse âmbito, o “dois em um socrático” é onde que partilho do
pensamento de Parmênides de Eléia: “O ser
e o pensar se dão ao mesmo tempo, é uma só coisa (...) [,] sem o ser, no qual o
pensar se encontra expresso, não há pensamento”.
Faço das palavras de meu nobre
camarada Felipe Lustosa às minhas: “o
egoísta, o reacionário, o preconceituoso, o biltre social, o flagelo da
cidadania, o marginal, o xenófobo e etc. não são expressões da totalidade
genérica humana e ‘da vileza e mesquinhez inatas à espécie’, expressas como
epifenômenos genérico-sociais no ‘Leviatã’ de Thomas Hobbes. Mas, manifestações
de uma parcela ampliada da totalidade que possui sua subjetividade despedaçada
e sua humanidade mutilada, pelas relações de produção capitalistas, pelo
processo de reificação e pelos complexos de alienação, os quais foram
desvelados pela lupa de Marx.”.
Como na peça “Hamlet” de William Shakespeare, a qual li recentemente (uma leitura inspiradora e genial, como é marca do autor), resta-nos a tragédia após a loucura se materializar em meio as traições,
violências, mortes, cujo personagem evidencia o retrato do mundo em si mesmo,
por sentir-se impotente e solitário em meio ao seu mundo. Por intermédio de uma
vivência dolorosa que o compele para a reavaliação e o conduz à morte. Shakespeare
remonta a vida como ela é em seus abrutamentos dos sentimentos: amor, desconfiança,
tristeza, ódio, vingança, presentes em nós no que “há algo de podre do Reino da Dinamarca”.
Se um homem não ouve, por um dia
que seja, uma boa melodia ou sinfonia que revigore seus ouvidos humanos; se não
pode ver uma boa película; ir ao teatro ou a um concerto assistir a um bom
drama ou apresentação musical; se o sujeito não folheia uma boa obra filosófica ou de história uma vez por semana para pôr-se a conhecer e lubrificar
seus olhos e exercitar seu intelecto; se não se pergunta de onde veio e qual a
origem das coisas; ou deixamos de compor uma música, ensaiar um acorde,
escrever um poema ou uma obra literária; conversar sinceramente com quem gosta
ou deixar de expressar sua singeleza humana para seu outrem; ou vislumbrar a
natureza bruta, este ser se barbarizou a cada suspiro de vida.
Contudo, é importante lembrar que
a culpa não deve cair no indivíduo único, ao ser humano isolado, pois que o
homem não é o que fez de si – ele é antes de suas escolhas próprias, o estado, a
sociedade dos homens e o mundo humano objetivado enquanto pertencente a ele.
Rousseau foi um magnifico pensador que em seu “Emílio” afirmara: “[...] aquele que inventa relações imaginárias que não têm nem realidade
nem aparência é um espírito louco, alheio à sensação; aquele que não compara é, simplesmente, um espírito imbecil.”.
A pessoa que vive isolada ou
pensa ser o umbigo do universo é, segundo Aristóteles descreve em
sua “Política”, “[...] ou é uma besta, ou
é um Deus”. Porém, superamos há muito o estágio das bestas à medida que
humanizamos o ser e também estamos longe de sermos alguma divindade. A
personalidade do indivíduo único, em seus gostos e caldo de cultura, são em
larga medida condicionados pela materialidade das relações de produção, as
quais estão subsumidas à valorização do valor e à circulação de mercadorias “consuetudo est altera natura”.
A cotidianidade do capital
mutila ao sujeito que se perdeu materialmente ao passo que o exaure em
espírito, sem que este perceba a raiz imanente de seu estertor. As
potencialidades peculiares do ser social, enquanto tal dissipa-se no ar como
feitiçaria e poeira. Contanto, sua raiz imanente subjaz na fábrica, no seu
trabalho nas moendas de esforços, suor e sonhos do capitalismo: quimera fugaz e
esfacelada, em sua “alma” comercializada.
Pensemos, aqui, o consumidor de
lixo virtual, adulador de lixo artístico, o retardo mental Hollywoodiano
cinematográfico, de astrologia fajuta e livros de autoajuda assinados por mercenários metidos a intelectuais. A nossa sociabilidade em
“decadência ideológica burguesa”, conforme desvela Lukács, por vaidades
estéreis e condicionamentos estúpidos pela ideologia mercantil e alienante em
sua generalidade, se torna a cada momento mais fascista, mesquinho, egoísta, e
mistificado e violento.
Como o psicólogo Lev Vygotsky
afirmou em seu conhecido artigo “A Transformação Socialista do Homem”, “[...] essa mudança no comportamento e na personalidade humana tem que conduzir,
inevitavelmente, à evolução do ser humano para um novo tipo, superior, para a
posterior modificação do tipo biológico humano.”.
Um povo que não pensa
criticamente e nem é estimulado a isto é como o Sol vedado pelas nuvens mais escuras e carregadas pela tempestade de obscuridade humana. E Shakespeare ultrapassa o nível
de bom observador por conhecer muito bem o ser em estado embrutecido pelas relações que o descaracterizam. Ele não era um
filósofo, entretanto, ouso dizer que ele era mais do que um dramaturgo: revela ali ainda cedo o espírito animalesco do ser irrefletido perante o meio obscuro a partir do mundo que o cerca.
Portanto, “A vida não examinada” – como afirmava
Sócrates –, “é uma vida que não merece
ser vivida”. Assim, a filosofia é a arma teórica do proletariado, do
oprimido, ao passo que o proletariado e o oprimido tornam a arma prática da filosofia.
A filosofa é a mente, e o proletariado, coração. A filosofia não pode se
realizar sem seu corpo que é o proletariado, bem como o proletariado não pode
emergir-se sem a realização da filosofia.
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