Um texto recentemente
publicado no site Universo Racionalista intitulado: “O mundo pós-humano”, que é uma tradução
de uma entrevista com Yuval Harari,
um historiador Israelense. De cara o título foi “chamativo”. Nesse sentido,
resolvi ler, pois nada melhor que se deparar com o fantasma para ver o quanto
podemos entrar em pânico.
Mas esse artigo não é apenas
um comentário superficial sobre o artigo-entrevista, mas um diálogo crítico sobre este artigo postado
originalmente no site The
Atlantic. Assim, os argumentos em oposição têm como finalidade rebater
falácias e devaneios idealistas sem conexão com o mundo real tal como ele está
nesse processo histórico.
O texto começa de forma
sofrível, algo surreal. Parece que o autor esteve encubado 3 séculos e só agora
veio a “sentir” e viver o mundo real:
“Fome, epidemias e guerra. Estas três coisas têm
sido as desgraças da história humana. Mas hoje, na maioria dos países é mais
provável que as pessoas morram por comer demais do que comer muito pouco, mais
provável que morram de velhice do que uma grande epidemia e mais provável que
cometam suicídio do que morrerem em uma guerra.
Com fome, epidemias e guerra em declínio – ao menos por agora – a humanidade vai voltar seu foco em atingir imortalidade e felicidade permanente, de acordo com o novo livro Homo Deus de Yuval Harari. Nas outras palavras, nos transformarmos em deuses.”.
O trecho sobre a fome é
completamente arbitrário e desconexo da realidade. Vejamos: hoje no topo da
pirâmide social aproximadamente 1% concentra o grosso da riqueza e possui
privilégios como isenções de impostos. Ainda na parte de cima da pirâmide outro
setor social tem relações estreitas com o 1% — possui rendas polpudas; vive no
luxo e detém altos cargos de prestígio, como detentores do Estado. Na base da
pirâmide social encontram-se os trabalhadores, os desempregados, os camponeses,
os pequenos comerciantes, que trabalham, pagam altos impostos e sustentam a
parte de cima da pirâmide.
Tudo
isso semelhantemente ao contexto da Europa pré-revolução francesa de 1789!
Segundo a OMS, 18 milhões de
mortes por ano devido à pobreza, a maioria delas de crianças com menos de cinco
anos. E a UNESCO afirma que 774 milhões de adultos são analfabetos (www.uis.unesco.org). Segundo a FAO, 1,02
bilhão têm desnutrição crônica (FAO, 2009).
Doenças como a tuberculose, no
entanto, não ficou no passado. Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS),
um terço da população global está infectado com a bactéria Mycobacterium tuberculosis (o bacilo de Koch) — mas
apenas uma pequena parcela desenvolve a doença. Em 2012, 1,3
milhão de pessoas que contraíram a bactéria morreram. (Detalhe: somos próximos de Sete bi
neste ano de 2017.)
Sobre a afirmativa que é “mais provável que comentam suicídio que morrerem
uma guerra”, ainda no fim do século 19 o sociólogo David Émile
Durkheim dizia que o mundo moderno era um mundo em anomia, um mundo
onde as dimensões sociais estariam tão instáveis que as pessoas começariam a
sentir um mal-estar, o qual, em grandes proporções, poderia causar
um colapso social. As normas sociais são
extremamente rígidas, reprimindo e levando a pessoa ao desespero. Daí
vem a noção de fatalidade: embora a
pessoa esteja com os laços sociais fortes, ela não se sente confortável, o
que a leva a cometer suicídio, por exemplo. Na nossa sociedade contemporânea
esse tipo de suicídio é muito comum em pessoas que sofrem preconceitos. E é
justamente o que temos hoje contrariando as “expectativas” do autor.
Em suma, é uma mentira que a fome está em declínio. E
é parcial verdade que as “guerras [estão]
em declínio”, pois se olharmos o continente que registrou em 2007 o maior
número de conflitos armados foi a Ásia, com seis enfrentamentos: Afeganistão,
Índia (região da Caxemira), Mianmar, Sri Lanka e dois combates diferentes nas
Filipinas.
De um ano pra cá, três
conflitos cessaram e três entraram para a lista de enfrentamentos ativos. Entre
os que passaram a ser registrados estão os combates no Peru (de forças do
governo contra o grupo maoísta Sendero Luminoso), nas Filipinas (entre o
exército do país e a Frente Moura de Libertação Islâmica) e na Somália (entre
forças do governo, com ajuda da vizinha Etiópia, e membros do grupo islâmico
União das Cortes Islâmicas).
Isso sem falar nas “guerras institucionalizadas” como as
“guerras às drogas”, por exemplo. Só no Brasil, tivemos 46.881 casos de
assassinato em 2014. Com 4.610 homicídios – 28 para cada 1.000 habitantes. Os dados
foram revelados em um balanço publicado pelo Ministério da Justiça. O quadro
geral é alarmante se comparado à taxa de homicídios da República Democrática do
Congo, país africano assolado por uma guerra civil: 30,8 para cada 1.000
habitantes!
No decorrer do texto, o
entrevistador Derek Thompson, lança o seguinte questionamento:
“Em Homo Deus você prediz o fim do
trabalho, o fim do individualismo liberal e, até mesmo, o fim da humanidade.
Vamos pegar um por um.
Primeiramente: trabalho. Você tem um modo
inteligente e assustador de olhar para as implicações políticas da automação em
massa. No fim do século XIX, França, Alemanha e Japão ofereceram assistência
médica gratuita para seus cidadãos. Seu objetivo não era estritamente fazer as
pessoas felizes, mas sim para fortalecer o potencial de suas indústrias e seus
exércitos. Em outras palavras, bem-estar social era necessário porque pessoas
eram necessárias. Mas você faz a temida pergunta: O que acontece com o
bem-estar social em um futuro onde o governo não precisa mais de pessoas?”.
E é assim respondido por Yuval Harari: “É um
cenário muito assustador. E não é ficção científica. Isso já está acontecendo.
A razão para criar todos estes sistemas de serviços
sociais para o povo era para sustentar exércitos fortes e economias fortes.
Agora os exércitos mais avançados não precisam de [tantas] pessoas. O mesmo
pode acontecer na economia civil. O problema é a motivação: e se o governo
perde a motivação para ajudar a população?
Na Escandinávia a tradição do Bem-estar Social é
tão impregnada que possivelmente eles irão continuar a fornecer assistência mesmo
para os cidadãos inúteis. Mas o que dizer da Nigéria, África do Sul e China?
Eles são incentivados a fornecer serviços principalmente na esperança de
promover a prosperidade, [que exige] ter uma grande base de cidadãos saudáveis
e inteligentes. Mas tire isso e você pode ter um país com uma elite que não se
importa com a população.”.
Primeiramente, o próprio
entrevistador comente equívocos. A produção de mercadorias, de valores de
troca, se dá por meio de relações sociais específicas, nas quais é observado
que o trabalho, subsumido ao capital, produz valor em condições frequentemente
precárias. O trabalhador(a) vivencia uma condição vulnerável de trabalho.
Relembro aqui um trecho do capítulo XIII
d’O Capital – A maquinaria e a indústria
moderna –, capítulo que também poderia ser nomeado “A Revolução Industrial na compreensão de Marx”:
.
“As
manufaturas metalúrgicas de Birmingham e cercanias empregam, em trabalhos na
maior parte pesados, 30.000 crianças e jovens, além de 10.000 mulheres. Aí são
empregados em atividades insalubres, nas fundições de cobre, na fabricação de
botões, nas oficinas de esmaltar, de galvanizar e de laquear. O trabalho em
excesso a que são submetidos os adultos e os menores nas impressoras de jornais
e de livros de Londres conquistou para esses estabelecimentos o famigerado nome
de “matadouros”. Os mesmos excessos se encontram na encadernação de livros, e
suas vítimas são principalmente mulheres, meninas e crianças. Menores realizam
trabalhos pesados nas cordoarias, ou trabalham à noite nas salinas, nas
manufaturas de velas e noutras manufaturas químicas. Há o emprego criminoso de
menores, para rodarem os teares, em tecelagem de seda que não movidas a
máquina. Um dos trabalhos mais humilhantes, mais sujos, e mais mal pagos, em que
se empregam de preferência meninas e mulheres, é o de classificar trapos.
Sabe-se que a Grã-Bretanha, além de possuir seus próprios estoques de trapo, é
o empório mundial deste artigo. Os trapos afluem do Japão, dos mais distantes
países da América do Sul e das Ilhas Canárias. Mas, seus principais
fornecedores são a Alemanha, França, Rússia, Itália, Egito, Turquia, Bélgica e
Holanda. Servem para adubos, para fazer estofo de roupa de cama, lã artificial
e papel. As classificadoras de trapo servem para transmitir varíola e outras
doenças contagiosas das quais são as primeiras vítimas”
(Marx, 1980, p.530-531).
As cidades, que até o século
XVIII eram centros de comércio e já
contavam com certa estrutura política e administrativa, foram locais onde o
aparecimento de indústrias ocorreu de forma mais rápida, pois contavam com
concentração de capitais acumulados com o comércio, eram centros políticos e
possuíam reservas de força de trabalho. Gradativamente, elas foram se adaptando
às necessidades capitalistas e a indústria se apoiou em muitas delas,
aproveitando os conhecimentos e tradições na produção que já realizavam, por
exemplo: uma cidade que contava com uma produção artesanal de papel ou de
tecidos foi absorvida pela indústria e se transformou em um grande centro
urbano especializado nestes artigos. E ao redor do centro formava-se uma nova
área, considerada periferia ou subúrbios.
Neste local, surgiam bairros luxuosos para abrigar a burguesia, que fugia do ar
poluído, da sujeira, do mau cheiro e da multidão que vivia no centro, estes
procuravam lugares mais abertos, com áreas verdes, ruas arborizadas. Surgiam
bairros habitacionais para os operários recém-emigrados do campo e, também,
eram construídas áreas industriais maiores.
Ou seja, nada diferente do
que é hoje. Sua base ideológica era de garantir a liberdade de empreendimento e
suas propriedades, queriam lucro sem se preocupar com as consequências, com
isso pensavam as cidades sem intervenção do governo (em suma uma administração
liberal da cidade).
Harari argumenta que “O problema é a motivação: e se o governo
perde a motivação para ajudar a população?”, o que é, no mínimo, sem
fundamento, pois “motivação” em si é
uma terminologia fraquíssima tendo em vista que, segundo Engels escreve, em “A Origem da Família, da Propriedade
Privada e do Estado”:
“O
Estado não é, pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora
para dentro; tampouco é "a realidade da ideia moral", nem "a
imagem e a realidade da razão", como afirma Hegel. É antes um produto da
sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a
confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com
ela própria e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que não consegue
conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses
econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta
estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da
sociedade, chamado a amortecer o choque e este poder, nascido da sociedade, mas
posto acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado.” ENGELS,
p.191).
A seguir na entrevista, o
diálogo:
“Thompson: O último
ponto é interessante, porque, na Europa e Estados Unidos, o oposto parece mais
verdadeiro: a população não se importa, ou acha que não precisa, com a elite.
Isso é parte de como tivemos Trump e o Brexit. Agora também tem estas reações
da direita radical contra o establishment que percorre por toda a Europa. Por que isso
está acontecendo agora?
Harari: Esta é a
grande pergunta. Eu não previ isso vindo. Não é minha especialidade analisar a
situação política nos EUA ou Europa. Mas se você olhar para a condição objetiva
de saúde e coisas do tipo, a maioria das pessoas nos Estados Unidos e Europa
Ocidental têm melhores condições do que costumavam ter. Mas elas sentem que
estão sendo deixadas de lado e perdendo poder. E elas têm medo que suas
crianças tenham uma vida pior do que elas têm hoje. Eu acho que estes medos
possam ser justificados. Mas eu não acho que o antídoto vai funcionar. Trump
não ajudará os eleitores do Alabama a recuperar seu poder.”
Aqui está a total
fragilidade dos personagens. Ambos não conseguem analisar o concreto, o real.
Tanto é que Harari afirma que “Não é
minha especialidade analisar a situação política nos EUA ou Europa.”, e usa da “saúde” para um apelo infundado. Isto se torna claro porque a
principal demanda dos eleitores na atual campanha eleitoral nos EUA foi nada
menos que saúde pública gratuita para
todos já que os valores que o cidadão estadunidense gasta em média bem mais do
que Noruega, Holanda, Alemanha, Suécia, Dinamarca e mais que o dobro do que
gastam Canadá, Reino Unido, Austrália e França. Isso é verdade tanto em termos
de gasto per capita, quanto em
termos de gasto total em proporção do PIB.
Em apenas 50 anos, os
moradores das cidades terão sido multiplicados de 1,5 bilhão para 5 bilhões de
pessoas – o equivalente a 500 mil cidades de São Paulo. Isto indica que, apesar
das previsões de que as novas tecnologias de informação e a acumulação e
problemas nas metrópoles implicariam a desarticulação da vida urbana, a cidade
absorveu as mudanças e ainda é o motor do desenvolvimento científico.
Mas isto tem um preço. “O número de moradores urbanos vivendo em
pobreza absoluta cresceu rapidamente nos anos 80, especialmente na América
Latina, África e nas economias asiáticas menos favorecidas”. O alerta
consta do “Relatório Global sobre
Aglomerações Humanas”, que resume o encontro (Habitat) promovido pela ONU
em 1996 sobre o tema. Agravada pela globalização, a desigualdade entre cidades
é um dos maiores custos da revolução urbana. O Programa do Habitat mostra que a
renda média domiciliar das cidades dos países industrializados é de 38 vezes
maior do que a das cidades africanas: US$ 9544 contra US$ 252 por ano. Mesmo
nas cidades dos países industrializados, os 20% mais ricos têm uma renda 10
vezes maior do que os 20% mais pobres.
Após isso, a escandalosa
afirmativa:
“A
FELICIDADE DA MAIORIA DAS PESSOAS DEPENDE DE SUAS EXPECTATIVAS, NÃO DE SUAS
CONDIÇÕES”
Isso chega a ser engraçado.
É muita ‘abobrinha’ num trecho só. O trabalho racional capitalista, na
perspectiva do sociólogo alemão Max Weber, exige submissão a uma nova
disciplina na qual a “obrigação moral” religiosa dos trabalhadores e a
necessidade financeira, constituem terrenos férteis para levar a bom termo o
processo educativo necessário para a superação do tradicionalismo. Dito de
outra forma, expressa a dominação da subjetividade do trabalhador submetida à
pressão permanente por produtividade cada vez mais elevada de acordo com o novo
“espírito do capitalismo”. Informa, sobretudo, o utilitarismo da
vulnerabilidade da mulher trabalhadora, na ótica da acumulação capitalista, no
processo de dominação racional e legal. Enquanto que Durkheim observa as
mudanças sociais no mesmo período histórico – expansão do capitalismo e seus
conflitos – e propõe outros caminhos e temas analíticos na tentativa de
compreendê-las.
O que indagar no presente
século XXI, para ainda tentar compreender as relações e condições de trabalho
que evidenciam vulnerabilidade e precariedade no momento histórico atual? O que
é possível perceber na relação entre relações de gênero e relações de trabalho
(divisão social do mesmo, etc.) nessa construção social? Em outras palavras,
“olhar o cardápio não mata a fome”, isto é, expectativas não existem sem
condições para fazê-las.
Mais adiante, temos:
“Thompson: Americanos
podem ser mais ricos e mais educados do que eram uma geração anterior, com
melhores cuidados médicos e opções de entretenimento superiores, mas o fato do
progresso não parece importar. A narrativa é tudo que importa. E a narrativa
vitoriosa de Trump era que as cidades dos Estados Unidos estavam caindo aos
pedaços e “só eu posso corrigi-las”.
Harari: [Os
americanos brancos sem curso superior] são uma classe em declínio dentro de um
poder em declínio. Os EUA estão perdendo poder em comparação com o resto do
mundo, e dentro dos EUA, os eleitores Trump estão perdendo seu status. Mesmo
que eles estejam experimentando melhores condições, a narrativa que é dominante
na maioria das pessoas conta uma história de declínio, que diz que o futuro
será pior do que o presente. E a felicidade da maioria das pessoas depende de
suas expectativas, não de suas condições.”.
A afirmação de Thompson aqui
novamente se mostra mentirosa ou ignorante. Não é de estranhar que o presidente
dos Estados Unidos, Barack
Obama, admitisse em uma passagem pela Espanha que a desigualdade alimenta o
populismo. O relatório sobre a economia norte-americana, o FMI enumera um
panorama desolador nesse aspecto: a
pobreza continua aumentando, a classe média encolheu a níveis da década de
oitenta, a distribuição da renda e da riqueza se encontra altamente polarizada,
e a porcentagem de rendimentos do fator trabalho é 5% mais baixa do que há
quinze anos.
Publicado no jornal El
País, “Todos os avanços conseguidos para reduzir a pobreza desde os anos 90
se diluíram”, afirma a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde. Como se não
bastasse, um em cada sete americanos vive em condições de pobreza e 40% dos
pobres está trabalhando. “Se não forem interrompidas, essas forças continuarão
derrubando o crescimento atual e potencial, diminuindo os ganhos em padrão de
vida e aumentando a pobreza”, conclui o documento elaborado. Harari não
compreende que “a felicidade da maioria
das pessoas depende de suas expectativas, não de suas condições” é puro
devaneio.
As tensões no processo de
produção da arte concretizada por um artista burguês, por exemplo, na sociedade
burguesa, são analisadas por Norbert Elias como expressão da estrutura de
conflitos de padrões diferenciados de comportamentos, sentimentos, interesses
entre a corte e os grupos burgueses. E as relações sociais estabelecidas nos
processo produtivos ingleses informam a singularidade da apropriação, por parte
do capital, da fragilidade social de alguns grupos específicos – crianças,
adolescentes e mulheres –, possibilitando sua sujeição ao trabalho precário. Já
naquele momento histórico, é evidenciado que a internacionalização do capital
se articula com as formas manifestas de precariedade traduzidas em
insalubridade em diversas manufaturas (abatedouros?), excesso de trabalho e
comprometimento da saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras.
O que deve ser explicado, na
verdade, é o capitalismo dado como um sistema que exige uma
padronização social intensa, literalmente transforma a sociedade humana em uma
sociedade de abelhas: as pessoas precisam trabalhar em uma cadeia produtiva
extremamente hierárquica e fechada. Todo ato e trabalho humanos nas
sociedades capitalistas é realizado para manter esse sistema, seja
o que nós assistimos, seja o que nós estudamos, seja como nós nos
relacionamos, seja como compramos… Assim é gerada essa “falta de expectativa”,
ou seja, a subjetividade da vida.
Explicado isso, partiremos
para mais um trecho:
“Thompson: Digamos
que o futuro para a maioria das pessoas é uma renda básica universal,
maravilhosas drogas psicodélicas e videogames de realidade virtual. As pessoas
não passam fome. Eles não são miseráveis. Mas eles também param de lutar. As
virtudes de Walt Disney (“Desafie você mesmo! Faça uma aventura!”) são
sacrificadas para viver permanentemente dentro de um entretenimento no estilo
Disney. É utopia ou distopia?
Harari: A maioria
dos filósofos vão dizer que a sua hipótese é uma distopia. Um mundo muito pior.
Mas você poderia argumentar é que as pessoas já
passam a maior parte de suas vidas em jogos virtuais. A maioria das religiões
são jogos virtuais sobrepostos à realidade da vida. Faça aquilo, e há uma
punição. Faça isso, e você ganha pontos extras. Não há nada na realidade que
corresponda a tais regras. Mas você tem milhões de pessoas jogando esses jogos
de realidade virtual. Então, qual é a diferença entre uma religião e um jogo de
realidade virtual?
Recentemente eu fui caçar Pokémon com meu sobrinho.
Estávamos andando pela rua e um bando de crianças se aproximaram de nós. Eles
também estavam caçando Pokemon. Meu sobrinho e essas crianças entraram em uma
pequena briga porque estavam tentando capturar as mesmas criaturas invisíveis.
Isso foi estranho para mim. Mas esses Pokémons eram muito reais para as
crianças.
E então isso me atingiu: Isto é análogo ao conflito
entre Israel e Palestina! Você tem dois lados lutando por algo que eu não
consigo ver. Eu olho para as pedras das construções em Jerusalém e eu só vejo
pedras. Mas cristãos, judeus e muçulmanos que olham para as mesmas pedras veem
uma cidade santa. É a imaginação deles, mas eles estão dispostos a matar por
isso. Essa é a realidade virtual, também.
Sua hipótese também levanta uma profunda questão
filosófica: Qual é o significado da vida? Historicamente, os filósofos
investigaram questões que eram interessantes para apenas uma pequena
porcentagem da humanidade.”.
O pedacinho abaixo é um show
de idealismos e suposições completamente piradas. Parece-me que os dois fumaram
maconha em excesso e depois tomaram chá de cogumelos em São Thomé das Letras-MG
para tanta viajem!
Percebam: “Mas você
poderia argumentar é que as pessoas já passam a maior parte de suas vidas em
jogos virtuais. A maioria das religiões são jogos virtuais sobrepostos à
realidade da vida. Faça aquilo, e há uma punição. Faça isso, e você ganha
pontos extras. Não há nada na realidade que corresponda a tais regras. Mas você
tem milhões de pessoas jogando esses jogos de realidade virtual. Então, qual é
a diferença entre uma religião e um jogo de realidade virtual?”.
Trazendo isso para o âmbito
material, real, explico essa peripécia com seriedade. Por falta de noção
ontológica materialista, é inevitável que seus ímpetos e anseios “de um mundo
melhor” se enredem em um tanto de contradições por claramente navegar no
idealismo vulgar. Pois a superação das formas de consciência que este ser tem
do mundo engendra dados pelo aspecto de externalidade com o qual o mundo
aparece, nisso “as leis
sociais aparecem como objetividades de igual estatuto que as leis naturais”, e
o mundo parece como absolutamente externo, evidentemente que a forma de
consciência (que constitui uma necessidade da reprodução social) é aquela que
Lukács chamou, tomando o conceito de Nicolai Hartmann, de intentio obliqua, isto é, a explicação
de mundo é uma necessidade dos homens de explicarem sua vida, encontrarem
sentido na sua cotidianidade, feita por explicações falsas do mundo que, no
entanto, permitem aquela reprodução. Um exemplo é dado por Lukács, ao explicar
como o geocentrismo servia para a orientação no mar, mesmo que não fosse um
conhecimento verdadeiro. Igualmente, a forma religiosa produz um mecanismo
de explicação e regulação social já que está imbricada na moral e na ética para
o ser que faz dessas “leis” – religiosas – sua forma de vida.
Assim, a comparação entre
“jogos virtuais e religião” está mais para crianças do que para intelectuais
que se propõem a interpretar o mundo de forma tão avacalhada, até porque, Marx
categorizou como sua capacidade de “[arrancar]
as flores imaginárias dos grilhões, não para que o homem suporte grilhões
desprovidos de fantasias ou consolo, mas para que se desvencilhe deles e a flor
viva desabroche”. Pois a religião é um sistema ideológico que fundamenta
exploração do ser e por isso “a
exigência de que [as pessoas] abandonem as ilusões acerca de uma condição é a
exigência de que abandonem uma condição que necessita de ilusões”(Intro à
Crit. do Direito, 1842). Nada mais que isso. E só isso.
Outra coisa inócua é “Qual é o significado da vida?
Historicamente, os filósofos investigaram questões que eram interessantes para
apenas uma pequena porcentagem da humanidade.”, nada mais falso!
Falar em um “significado da vida” é tão vago quanto falar “vá estudar!”. É a
subjetividade e a incapacidade de reprodução social por este agente vigorando
num pensamento platônico do “ideal”. A vida só tem um sentido concreto quando
estamos nela e nos fazemos parte dela, ou seja, a relação de sujeito/objeto é histórica, e ela não é
uma relação que é exterior ao sujeito, o sujeito é também objeto na medida em
que ele próprio faz parte do ser social. Assim, o estudo e o conhecimento não
devem ser passivos, mas ativo, vivo, de modo a fazer com que se torne
autoconsciente e não apenas um “intérprete” da vida cotidiana. A vida não é como
pedras irremovíveis à beira de um rio. Tudo está em processo.
Passaremos, portanto, sobre
o que ambos comentam na entrevista com relação a isso:
“Thompson: Certo. “Qual
é a maneira ideal de buscar a felicidade?” não é um questionamento útil
quando toda uma região está morrendo de epidemia.
Harari: Sim, mas
uma vez que você está livre de se preocupar com fome e epidemias, isso se torna
uma pergunta muito mais prática: Qual é o significado da vida? Se você projeta
um carro auto dirigível, você deve planejar algoritmos éticos no caso de eles
estar prestes a bater em uma criança. Deve arriscar ferir o pedestre ou o
passageiro? Isso é, de repente, uma questão muito prática. Filosofia, outrora
um sistema arcaico, torna-se central quando nos preocupamos com a morte e a
miséria de forma generalizada.”.
Uma tonelada de besteiras em
poucos períodos proferidos aqui, companheiros! O autor simplesmente “ignora” a
condição material engendrada socialmente pelo que ele categorizou de “algoritmos éticos”. Um disparate!
Se um carro automatizado
entra num dilema ele precisa tomar uma atitude previamente programada: salvar a
vida do passageiro do próprio carro ou o humano mais novo entre os dois carros,
logo, o que tem mais vida pela frente?
Entende que isso já é moral
humana sendo aplicada e depende de padrões éticos e morais humanos previamente
discutidos? Já não existe a partir dai a isenção.
O ser humano que vai codificar não é neutro, os seres humanos que vão decidir o
que a máquina tem que fazer também não são neutros.
É disso que eu e os outros amigos falamos. Ninguém desacredita no poder da
tecnologia, mas simplesmente Harari ignora o que estamos levantando como
problemática e chama a filosofia de “outrora
um sistema arcaico”.
Nesse pôr, o filósofo e
professor José Chasin, afirmara com todas as letras: “Para a dialética, não existe diferença entre ciência e filosofia.
Ambas são apenas momentos distintos de um mesmo saber. O saber das coisas.
Então, agarrar as coisas subentenderia a existência de um vai-e-vem entre o
momento filosófico e o momento científico – o filosófico como mais abstrato e o
científico como mais concreto – ainda que as coisas possam ter momentos mais
abstratos do concreto científico e momentos mais concretos do abstrato
filosófico. Esta malha que vai se formando, busca desse perfil, desse desenho
preliminar ontológico, percorrer o caminho de concreção e chegar ao objeto
efetivamente concreto. Isto é, transformar a ontologia abstrata em ontologia
concreta. A ontologia concreta, se pensada em termos de uma ciência autônoma,
“independente”, nós temos o produto científico”. O que joga, enfim, por
água abaixo toda essa groselha proferida pelo historiador Israelense...
Aqui
começamos entrar na parte mais espinhosa do texto. Como Thompson faz apenas
interpelação sobre “autoridade” (mesmo com erros grosseiros) podemos analisar o que Harari tentará sustentar para
tornar mais objetivo à refutação do trecho:
“Harari: Eu gosto
de começar com as coisas simples. Olhe para os aplicativos GPS, como Waze e
Google Maps. Cinco anos atrás, você ia a algum lugar no seu carro ou a pé. Você
se guiava com base em seu próprio conhecimento e intuição. Mas hoje todo mundo
está cegamente seguindo o que Waze está dizendo. A habilidade básica de
navegarem sozinhos foi perdida. Se algo acontecer com o aplicativo, estarão
completamente perdidos.
Esse não é o exemplo mais importante. Mas está no
caminho do que estamos falando. Você define um ponto no mapa, e você confia no
algoritmo. Talvez o ponto seja a sua carreira. Talvez seja a decisão de se
casar. Mas você confia no algoritmo ao invés de sua própria intuição.
A invenção mais
importante que está se espalhando agora são sensores biométricos. Eles se
tornarão bastante comuns. Os seres humanos consultarão seus dados biométricos
para determinar como viver. Estes sensores são realmente interessantes e
assustadores, porque nós não estaremos mais no comando da nossa identidade.
Iremos terceirizar nossas decisões executivas para leituras biométricas de
nossos sinais neuroquímicos para decidir como viver.”.
O
autor comenta invertidamente quando diz que “todo mundo hoje está cegamente seguindo o que Wase está dizendo.”. Os smartphones são um bom exemplo de
praticidade. Com eles tiramos fotos, gravar vídeos, acessar aplicativos úteis
no dia a dia, acessar redes sociais e inclusive para nos locomovermos. Além do
mais, a possibilidade de resolver problemas a distância usando a tecnologia é
algo muito importante na atualidade. Tudo isso é útil, mas não é tudo.
Um
problema grave da irracionalidade tecnológica é o lixo eletrônico. Como a principal finalidade da lógica do capital
é “criar necessidades para serem supridas”,
a obsolescência de aparelhos de forma rápida e substancial. Além disso, o que é
produzido socialmente aqui na Terra, as tecnologias de satélites e missões
espaciais estão deveras poluindo o espaço. Isso para ser simplório, não negando
a relevância de algumas delas. Trata-se, portanto, toneladas de lixo espacial
que degrada não só o solo, mas a vegetação e o reino animal, tudo em prol da
“ciência”.
Outro
ponto: no ápice da revolução industrial, o mecanicismo era um grande mal,
aliado às jornadas de trabalho extensas e o trabalho exaustivo e repetitivo do
homem-máquina. Isso fez com que surgissem as associações de classe para lutar
pelo direito do trabalhador. Mas, veja bem, nessa época ninguém sofria de ler
ou estresse. Não que esteja
defendendo o modelo anterior, apenas criticando o atual num sentido em que nós
criamos máquinas que nos fizeram produzir mais em menos tempo. E o que fizemos
com o tempo que sobrou? Ora, produzimos mais.
Esforçamo-nos
todos os dias para ganhar tempo e, infelizmente, utilizamos esse tempo para
trabalhar ainda mais. Hoje temos diversas doenças ou síndromes que estão
diretamente (e equivocadamente) associadas à tecnologia. Mas é o seu mal uso
que acarreta em problemas. Claro que é bom locomover sem ter “erros”, mas, da
mesma forma que digitamos ou pesquisamos na internet algum restaurante ou uma
avenida, porque simplesmente não vivemos a realidade da busca pelo saber por si
ao invés de ficar delegando toda nossa futilidade momentânea num aparelho
qualquer?
A perda de autonomia por si,
ao “terceirizar” ações, desumaniza o ser social cada vez mais contaminado por
essa “lógica”. O professor de filosofia Erik Gontigo comenta acerca disso de
forma magistral: “A desantropomorfização
do homem é a humanização da natureza, tanto a que se refere ao próprio corpo e
subjetividade humanos, quanto à natureza exterior ao corpo, na qual o humano se
ambienta, tornada mundo. É claro que aquela expansão do poder humano não
depende apenas da ciência, mas também da ação prática, do estágio de maturidade
social da cognição do sujeito e também da maturação natural e/ou social do
objeto. Nem todo objeto está, em si ou por si mesmo, pronto ou disponível para
ser conhecido e transformado, ainda que esteja posto diante nossos narizes e
nos relacionemos com ele na trivialidade do cotidiano. E nem sempre a história
e a sociedade permitem ao sujeito ultrapassar os limites que elas mesmas põem a
ele.”.
Nesta mesma direção seguem o
entrevistado e o entrevistador, que, aqui, parecem mais robôs do que homens de
carne e osso:
“Thompson: Aqui vai
como eu entendo essa ideia. É o futuro, e estou com fome em uma noite de
sexta-feira. Eu penso: “Eu gostaria de frango frito”. Então eu consulto
minha IA assistente, que pode ler meus sinais bioquímicos e prever minhas
futuras emoções, que me diz: “Na verdade, Derek, uma salada de frango vai
te fazer mais feliz”. Então eu como salada.
Em uma base de caso a caso, esta tecnologia me
parece maravilhosa. Está me fazendo muito mais saudável e feliz. A tecnologia
está me livrando dos erros naturais da má compreensão dos meus futuros desejos
e necessidades. Mas ao mesmo tempo, meu “eu” desapareceu, porque eu terceirizei
minha identidade para um analista bioquímico.
Harari: Neste
cenário, veremos que as decisões não vêm de uma alma mística, mas de processos
biológicos no cérebro. No passado, não conseguíamos reunir os dados e
analisá-los. Assim você poderia imaginar que existia uma alma mística,
transcendental dentro de você que faz estas decisões. De uma perspectiva
prática era uma estimativa bastante boa. Mas, uma vez que você combina uma
melhor compreensão dos processos bioquímicos no corpo com o poder computacional
de big data, acontece uma verdadeira revolução, porque
esta noção tradicional de livre arbítrio não faz mais sentido prático e você
pode ter algoritmos que tomam melhores decisões do que um indivíduo humano.”.
Porque a ciência traz “para
nós” aquilo que é “por si”. Traduzindo: a
ciência permite a ampliação do domínio humano sobre uma parcela da realidade
até então alheia a nós e existindo sem qualquer relação conosco, ou sem que nos
déssemos conta da relação que houver. A tecnologia ‘organiza’ um leque de
desorganização fútil onde na desorientação perpetua-se a vagueza da vida e no
conforto do ócio.
E para isso nós temos mais
que o suficiente até aqui sem essa “base
de cálculos”. Mas, ao inverso de nos encontrarmos mais capazes e próximos
de humanizar a sociedade, estamos nos afastando desse dever – absolutamente
imperioso e necessário e, também, importante, abarrotado de sentido e valor –
em alta velocidade e na disritmia de aviltante aceleração, perigosamente
desorientados e sordidamente enfraquecidos, rumo ao pleno humanicídio ou à
completa torpeza de uma deterioração total da humanidade ao patamar da
selvageria. Qualquer avaliação sobre o que seria pior é problemática.
Mas a realidade não é apenas
a realidade objetiva, de acordo consigo mesma. O mundo humano possui também um
aspecto subjetivo: a realidade de acordo conosco. E é aqui que entra a
expressão artística humana, por exemplo.
Quando ambos falam de “analista bioquímico”, “’eu” desaparecido’”
e outras verborragias mais, comparando-nos com um sistema computacional é a
síntese da ignorância ontológica! Por isso mesmo é que uma sociedade e
individualidade autenticamente humanas, apuradas em todos os sentidos, gozando
de riqueza de corpo e alma, pensamento e ação multifacetados, materialidade e
espiritualidade verdadeiramente refinadas e integralmente conciliadas – demanda
urgentemente uma revolução social radical, dolorosa, ampla, profunda, morosa e
duradoura. A mais difícil tarefa já posta ao homem em toda a sua história e,
por isso mesmo, a mais valorosa. Quem
renuncia a ela, renuncia a si mesmo e apodrece por baixo da própria carniça;
saboreia o cultivo do miasma que preenche sua consciência e a metástase da
muxiba que convulsiona em seu peito. Não nos permitamos viver sob o jugo de
tais cadáveres insepultos e engravatados.
Em suma, diz o
professor de filosofia Erik Gontijo: “a ciência nos humaniza. Mas a humanização
do indivíduo, do mundo e da própria ciência não é uma tarefa científica”.
Depois dessa patranha mal-arrumada
de decadência teórica trajada de “conhecimento científico” que mais parece dois
bêbados num final de festa open-bar, passaremos
para a parte final da dolorosa entrevista.
“Thompson: Isso
é fascinante, porque agora acho que esses algoritmos estão me deixando mais
próximo de mim mesmo. Se uma pulseira fitness me incentiva a correr mais ou um
algoritmo de entretenimento descobre uma música que eu amo, eu fico mais feliz.
E eu prefiro estar feliz.
Mas ao mesmo tempo, minhas decisões foram reduzidas
a sinais cerebrais e leitores de sinais cerebrais. “Eu” não sou especial, nem
sagrado, nem mesmo indivíduo. Eu sou apenas uma embarcação para um monte de
sinais que são lidos melhor por um computador. Não há espaço para “mim” nessa
combinação.
Harari: O que
realmente acontece é que o seu “eu” se desintegra. Não é que você compreenda
melhor seu verdadeiro eu, mas você acaba percebendo que não existe um
verdadeiro eu. Há apenas uma conexão complicada de conexões bioquímicas sem um
núcleo. Não há voz autêntica que viva dentro de você.
Você já assistiu Divertida Mente (Inside
Out, em inglês)? Para mim, esse foi o ponto de inflexão na compreensão da
cultura popular sobre a mente. Durante décadas, a Disney nos vendeu a fantasia
individualista liberal: Não ouça seus vizinhos ou governo, basta seguir seu
próprio coração. Mas então, em Divertida Mente, você vai dentro desta menininha
Riley, e você não encontra um “eu” ou uma identidade central. O que o filme
mostra para as crianças e seus pais é que Riley é um robô sendo manipulado por
processos químicos dentro de seu cérebro. O ponto cataclísmico da história é
quando você percebe que nenhuma das emoções dentro dela é o seu verdadeiro eu.
No começo você se identifica com Joy, mas o momento crítico vem quando você
percebe que nenhuma dessas emoções é o verdadeiro eu de Riley. É um equilíbrio
entre as diferentes emoções.
E
eu acho que isso é o que vai acontecer cada vez mais e mais em um nível geral.
A própria ideia de um indivíduo que existe, que tem sido tão preciosa para nós,
está em perigo.”.
Aqui ambos caem numa questão
fundamental: a tecnologia está diariamente presente na vida de milhões de
pessoas ao redor do mundo, desde que acordamos até a hora de dormir, quando
damos aquela última olhadinha no smartphone
ou no tablet. Assim, carregamos esses
aparelhos para todos os lados e constantemente os conferimos, seja para
verificar os emails, ver mensagens do
WhatsApp e notificações do Facebook, acessar as redes socais ou nos
distrair com joguinhos. Quase 80% das pessoas checam os seus celulares ao
acordar, e um terço dos americanos diz preferir deixar de fazer sexo a ficar
sem os seus aparelhos pessoais!
Admitindo
ou não, nós nos viciamos e dependentes. Fomos lenta e propositalmente viciados
em tecnologias das mais variadas formas que hoje estão presentes em nosso
cotidiano – um hábito já enraizado nas rotinas de milhões de pessoas!
De acordo com o pesquisador
Nir Eyal, autor do livro “Hooked: How to
Build Habit-Forming Products” (traduzido como “Viciado: Como Construir Produtos que Formam Hábitos”), as empresas
identificam em nós o potencial de um novo hábito e tiram proveito disso. No
vídeo abaixo (em inglês), é possível conferir mais sobre os conceitos
apresentados por Eyal:
Por exemplo, é estimado que
40% das nossas ações realizadas diariamente são movidas por puro hábito, seja
consciente ou inconscientemente. E muitas pessoas se tornam dependentes de
determinados costumes, como conferir as notificações do Facebook e os próprios
emails, já que podem perder algo urgente e interessante a todo o momento.
Diferentemente
do que Harari “supõe”, não há, nesse sentido, “processos químicos dentro de seu cérebro”, apenas categorias
socialmente construídas pela interdependência supérflua desse mecanismo.
Nada mais que uma falsa sensação de domínio do exterior, já que seu interior está corrompido por esta mesma
“IA”.
Essas sensações são
manipuladas para que o público fique fiel às empresas e utilize os seus
produtos mais e mais. Eyal diz que quer que as pessoas ganhem mais autonomia
sobre suas vidas em vez de serem somente controladas pela tecnologia – algo que
o livro escrito por ele pretende esclarecer, abrindo os olhos das pessoas para
as influências ao nosso redor.
O segundo passo é a ação,
quando acessamos de fato aplicativos como Facebook
e Instagram (estamos em busca de
interação e, de algum modo, fugindo da realidade momentânea). Ao utilizarmos
esses apps, temos recompensas
imprecisas, já que não sabemos quais conteúdos vamos encontrar: quais fotos,
que tipos de mensagens, se vamos ter novos likes
ou não em nossas postagens etc. E assim se estamos entediados acessamos o YouTube. E se nos sentimos sozinhos
vemos o Facebook e os perfis de amigos; se temos dúvidas sobre algo vamos ao
Google – nem pensamos mais em realizar essas ações, pois elas já se
transformaram em hábito e em respostas aos sentimentos que as antecedem. Para
muitos, esses sites se tornaram necessários e não são somente recursos que
utilizamos esporadicamente. Então, o que seria “auxilio” torna-se
interdependente e superficial.
Conclusão:
A epistemologia positivista é falha porque se concentra apenas no
nível dos fenômenos, por exemplo, a função da teoria para eles é meramente
servir como estrutura lógica apenas eficaz para o estabelecimento de
prognósticos, deixa de ser uma explicação para ser um mosaico de
correlações. Sua própria prática é insustentável. Chega um momento que o
pesquisador precisa trabalhar com categorias inobserváveis, não
arbitrariamente, mas por necessidade de explicação. E o positivismo é diametralmente
oposto as ciências sociais e, desse modo, incompatível a ela.
O companheiro Ciro Domingos
argumenta que “a ideia de progresso não é
necessariamente ligada à teleologia. Podemos ter uma visão teleológica que
termine em decadência como podemos ter um progresso que não seja
pré-direcionado. Evolucionismo e teleologia na história humana costumam se
encontrar, mas não são sinônimos”.
E o mais importante: não podemos deixar escapar
é o que “a relação entre ideologia e
ciência de modo algum pode ser descrita, nem mesmo em termos aproximativos,
mediante a proclamação de uma suposta isenção valorativa, do abster-se de fazer
valorações etc. Essa tendência, que geralmente entra em cena como autodefesa de
uma ‘cientificidade’ professoral tantas vezes infrutífera, na maioria dos casos
se revela como pura ideologia, quando as valorações da classe ora dominante são
tratadas como “fatos constatados isentos de valorações”, quando não se
considera que a mais elementar escolha da temática, seleção dos fatos, por
exemplo, na ciência da história, nem mesmo pode ser efetuada de modo totalmente
independente de qualquer aspecto ideológico” (Lukács, em ‘Para uma ontologia do ser’).
Referências:
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