www

www

quarta-feira, 1 de março de 2017

“Há três formas de destruir um país” – Vladimir Safatle


Por Vladimir Safatle


As duas primeiras são por meio da guerra e de catástrofes naturais.

A terceira, a mais segura e certa de todas, é entregando seu país para economistas liberais amigos de operadores do sistema financeiro. Em todos os países onde eles aplicaram suas receitas de “austeridade”, a recompensa foi a pobreza, a desigualdade e a precarização.

Alguns países, como a Letônia, vendida por alguns como modelo de recuperação bem-sucedida, viu sua população diminuir em quase 10% em cinco anos, algo que apenas as guerras são capazes de fazer. Ou seja, o preço para essa peculiar noção de sucesso foi expulsar quase 10% da população para refazer suas vidas em outros países.

No Brasil, não faltou economista a eleger, meses atrás, o Espírito Santo como modelo de ajuste econômico e responsabilidade fiscal.

O mesmo Espírito Santo que tem números piores do que a média nacional (retração de 13,8% até o terceiro trimestre de 2016) e que há algumas semanas simplesmente entrou em colapso, virando uma zona de anomia em meio à greve de policiais.

Outros desses economistas encheram as páginas de jornal e tempo de televisão para levar a sociedade brasileira a acreditar que, conduzindo Michel Miguel à Presidência, a “confiança” dos mercados daria o ar de sua graça e, com ela, viria à estabilidade.

Bem, nos últimos dias, o Banco Mundial divulgou uma análise segundo a qual espera que, até o final do ano, 3,6 milhões de pessoas voltem à pobreza no Brasil. Para ser mais claro, 3,6 milhões de pessoas verão seus rendimentos caírem para menos de R$ 140 por mês.

Isso em um cenário no qual o Brasil tem a maior taxa de capacidade ociosa da indústria dos últimos 70 anos, já que não há mais compradores para seus produtos.

Se somarmos a isso a reforma da Previdência, a limitação de investimentos estatais para guardar dinheiro a fim de pagar os mais de R$ 400 bilhões em serviços da dívida pública, a proposta de terceirização irrestrita e o colapso do sistema brasileiro de serviços públicos teremos um cenário simples: o Brasil foi destruído pelas políticas implementadas desde a guinada neoliberal do governo Dilma.

O próximo passo será a imigração em massa dos que puderem normalmente os mais bem formados.

É claro que haverá aqueles que dirão que isso é “herança maldita” de políticas econômicas esquerdistas. Mas chamar governos que nunca foram capazes de propor a taxação progressiva de rendas e riquezas, a transferência paulatina da detenção dos meios de produção para as mãos dos trabalhadores e a limitação dos ganhos do sistema financeiro de esquerdista é algo da ordem do simples jogo de palavras.

Enquanto isso, uma parcela da população aplaude tudo, já que acredita ficar imune à degradação econômica nacional.

Essa mesma parcela julga-se hoje detentora de alguma forma de superioridade moral que faria calar os descontentes com este governo.

No entanto, que as coisas sejam ditas de forma clara: eles nunca estiveram nem estão, de fato, preocupados com julgamentos morais. Nada estranho, já que o problema deles nunca foi a corrupção, e sim a luta contra políticos com os quais eles não se identificam.

O discurso contra a corrupção era apenas uma grande farsa, senão produziria ações simétricas contra toda a classe política brasileira.

Na verdade, essas pessoas são atualmente cúmplices de um governo cuja única preocupação é se blindar e escapar da cadeia.  Até porque, Michel Miguel e os seus não governam, eles têm coisas mais urgentes para fazer.

Enquanto tentam salvar a própria pele, terceirizaram o Brasil para gestores da catástrofe.


Vladimir Pinheiro Safatle é um filósofo e professor livre-docente da Universidade de São Paulo. Notabilizou-se ao grande público, sobretudo por sua atividade como colunista no jornal Folha de S. Paulo. *

2 comentários:

  1. Alto lá!
    Botar TUDO isso na conta da Dilma é cafajestagem e não ajuda nada a melhorar a situação caótica em que estamos. Dilma jamais teria ido tão longe como os golpistas. Tanto que tomou um golpe para que eles fizessem tudo que estão fazendo.

    ResponderExcluir