Vejo nos círculos dos
“ateuzinhos” de Internet, especialmente quando se trata dos ateus liberais de direita, uma sapiente crítica ao “malvado” Estado, onde na mais alta “intransigência”,
de aspirantes à ciência, sustentando e disseminando uma nova religião: o anarco-capitalismo. Como dizem os
evangélicos, devemos amar o pecador, não
o pecado.
Se a descrença em divindades
pressupõe um ateísmo ou um agnosticismo (porque o ceticismo é o modo pelo qual se faz “ciência”), os devotos desta
nova doutrina coabitam os círculos “científicos” – fora dele já não espero
outra coisa além de estupidez e um crônico analfabetismo político.
Apesar de alguns desses
discípulos serem “inteligentes”, “questionadores” e, mais além, “RACIONALISTAS”,
a teoria não é coerente, nem sensata, bem construída, e muito menos racional.
Mas por que?
Ora, porque esta mitologia não
corrobora a realidade! Assim como a teologia cristã tenta explicar as origens
das coisas por meio de um livro histórico, os devotos do ancap tentam “propor” uma
regra-geral: IMPOSTO É ROUBO.
Anarquia com capitalismo é um
antagonismo. É como defender água seca, luz escura, paz violenta. Explico: uma
anarquia é um sistema onde não há governos. Não há leis a serem seguidas. Não
há nem democracia, nem voto. É o sistema do “pode tudo” e seja o que Deus
quiser (neste caso, o Deus-mercado). Aliás, nem mesmo o que “Deus quiser”, uma
vez que a maioria dos anarquistas teóricos rejeitavam Deus e até Proudhon disse:
“Deus é o mal”. Mas, ao que parece,
para os ancap’s, Deus é o capitalismo
e o imposto é o Satan!
Vejam bem: para haver
capitalismo é necessariamente obrigatório o Estado para garantir a propriedade
privada. Ou seja: é necessário que haja algum tipo de instituição, por menor
que seja, que garanta esse consenso no local – ou, o contrato social,
basicamente.
O Estado é fruto das relações
de produção. É indiscutível isso. Nele que sistemas baseados na propriedade e no
lucro se resguardam. “Mas os impostos
alimentam a máquina estatal”. Assim como a mais-valia é negligenciada pelos
“céticos-ideológicos-anárquico-capitalistas”.
Os “teóricos” dessa
Santa-Ideologia mercantil suplicam arduamente que o “Estado tira do
trabalhador” e por isso o ‘imposto é roubo’. É das mais risíveis argumentações
e rigidez pelo qual eles vociferam por aí, porque dentro de seus gabinetes
defecam seus idealismos para encaixotá-los na realidade.
E nossa realidade é dura para
esses defensores da ciência que debocham dos cristãos. São faces da mesma
moeda: de um lado um teorismo pedindo o porquê
do imposto não ser roubo e do outro imploram para explicar “quem criou o mundo” ou “se o homem veio do macaco, por que até hoje
macacos não viram homens?”. O ônus da prova é o recurso argumentativo de
ambas religiosidades: você não explicou, logo estou certo. Assim é o
pressuposto “rígido” dos ultra-questionadores
das ciências sociais.
Vamos ‘materializar’ isso: anarquia
é ausência de governos. Capitalismo é coerção. Portando, quando é “tudo
liberado” o poder dos micro-governos atua, pois se quando um grupo detém o
monopólio “legal”, outros serão obrigados a se submeterem. Espera! Isso não
parece um “Estado”? Sim, não só parece, mas como de fato é um “Estado-Privado”.
Capitalismo é coerção, repito.
Entendo que muitos jovens
pensam que a tendência é “liberar geral” e onde cada um será “livre para
sempre”. Entretanto, masturbar em praça pública olhando para mulheres
desconhecidas não deveria ser tão liberado assim. Eu sei que muitos “céticos” já
ligaram o “foda-se” porque o Estado
não pode sair proibindo “todas as formas
de amor”. Mas quando o vizinho estiver mantendo relações sexuais com
crianças no meio da rua, essa proliferação de más ideias não irá parecer tão
bonitinha quanto no slogan. Porque o
Judiciário sequer existirá e, também, o contrato social é inexistente – por
isso o Estado é inexorável na sociedade atual.
Mas estamos numa anarquia
capitalista onde não há um governo para cuidar de sua retaguarda caso você
queira bancar o herói contra a pedofilia. E se você conseguir salvá-las e ainda
chegar com vida em sua propriedade? Sempre há o risco do pedófilo buscar justiça num desses tribunais privados
que concordam com ele. Enfim, vencerá o mais forte desses microgovernos.
Outro exemplo concreto para os
sacerdotes do “imposto é roubo” pensarem: imaginem o caso em que o
dono de uma rua que cerca sua casa o proíba de transitar por ela (nesse mundo de algodão doce onde tudo é de
alguém), isolando-o ao ponto de comprometer sua integridade física. Após
isso surge o questionamento: “mas o que o
imposto tem a ver com isso?”.
Respondo: o imposto é parte
indissociável da organização social e do convívio entre todos. É parte desse contrato social. O imposto é para que
esse todo possa, no mínimo possível, ter a liberdade de, ao menos, transitar às
ruas, não ser assassinado porque impediu um pedófilo de molestar alguém ou
evitar um estupro a uma mulher que passava numa rua “privada” e por aí vai...
O imposto não é roubo, porque roubo é uma coisa e imposto é
outra. Essas falsas analogias de “um cara que te assalta e pega seu dinheiro
é como o Estado que pega nosso dinheiro como impostos” é só um devaneio
ideológico tupiniquim de quem ainda estoura espinhas na cara – e o pior: parece
não viver em um mundo real, mas aquele fantástico
mundo unicorniano da rebeldia dos ateuzinhos-céticos devotos de uma
teologia que vai só até onde a mãe entra no quarto e manda arrumar a cama – ou
dos adultos “inteligentes” frustrados pelas circunstâncias da vida, sabe-se lá
o motivo.
vá com Deus! |
Adendo: um leitor do blog, Euclécio Josias Rodrigues, fez um
comentário acerca do texto que deixo aqui para complementá-lo:
“Poderia ter ido mais longe nas analogias, p. ex., explicar como
seria difícil manter a ordem, as propriedades sem a máquina pública; demonstrar
mais qual o papel do Estado na manutenção, regulação e fiscalização dos
mercados; qualidade dos produtos; ordem social; segurança, etc. Uma analogia
que poderia ser usada ali é “seres do mesmo bairro” (claro, em uma hipotética
realidade em que o ancapismo aconteceu): estes seres resolvem instalar uma rua
asfaltada e iluminada para melhorar o acesso, então os vizinhos vão combinar
entre si um valor e pagar, porém, para ficar justo, eles criam um valor padrão
para todos, isso já é uma forma de imposto. Em outras palavras: você pode
argumentar que é algo que partiu da necessidade dos indivíduos os quais
resolveram pagar. Ok, então imagina que algum resolve não pagar “não pode
utilizar a rua”, poderiam dizer “mas aí, quem iria fiscalizar se ele está
usando ou não?” e se ele usar quem iria punir? Os vizinhos se reuniriam e iam
tomar alguma atitude... pronto, temos um novo tipo de organização social com
impostos que, caso alguém não pague, ele será punido.
Você está percebendo alguma relação com a forma como o Estado
funciona hoje? Se sim, não se preocupe, é para isto que o Estado surgiu: a
diferença é que ele existe há anos e todos estes pormenores já foram
solucionados, já foram pensados nas várias consequências, nas causas e efeitos,
nas punições, nos julgamentos do que é justo e o que não é isso evoluiu e foi
aprimorado tanto através de séculos que se tornou na sociedade que é hoje com
organizações sociais divididas, basicamente, em 3 poderes: judiciário, executivo
e legislativo. Claro, não é perfeito e ainda temos muito o que evoluir, muitas
falhar e buracos a tampar, mas, sem uma organização social, voltaríamos para o
início do neolítico.
No mais, gostei das críticas como falar na formação de um
Estado-privado – e como este sistema tornaria uma espécie de ditadura de quem
tem dinheiro pode falar também sobre como, sem uma organização forte reguladora
e fiscalizadora poderíamos garantir a qualidade dos produtos; garantir a
segurança de alimentos e equipamentos perigosos; é necessário a criação de
órgãos reguladores: e como estes funcionariam de forma privada? Seria
impossível porque se assim for, aqueles que tem dinheiro sempre vão garantir a “qualidade”
do seu produto e até podem usar estes órgãos para dizer que os produtos dos
concorrentes (mais pobres) não é seguro. A solução seria montar uma organização
mais democrática, com participação de todos os envolvidos, fiscalização e etc. para
tais funções é necessário funcionários; para pagar os funcionários e não dar
vantagem pra ninguém, teria que ser cobrado uma taxa padronizada, e, olha só,
cria se outro tipo de imposto e cria um serviço de regularização/fiscalização
público.”
Adendo 2: outro leitor, dessa vez o
Frederico Lambertucci, comentou:
“Você podia falar da questão da mais-valia Mehwert, camarada.O
imposto é uma parte da mais-valia circulando em posse do Estado ou parte do
Kapital vivo. No caso dos salários: o que constitui o lucro do capitalista? Em
termos universais? É a conversão da Mais-valia em lucro. A parte destinada aos
impostos é parte da mais-valia. Bem como aquela que vira juros, a parte dos
salários que é paga em imposto. É a parte do trabalho vivo, ou Kapital vivo.
Logo, tudo o que circula em posse do Estado é o trabalho
excedente e parte do trabalho necessário, ambos produzidos pelo trabalho que
produz mais-valia, aquele chamado produtivo. Nesse sentido, a reclamação dos
liberais é que os capitalistas não se apropriam de toda a mais-valia, mesmo que
se apropriem de grande parte. Os Grandes capitalistas nunca irão reclamar de
impostos. Isso porque a maior parte da carga tributária é reconvertida para
eles via empréstimos, dívida pública e etc.
Só meia dúzia de liberalecos que acreditam em meia dúzia de capitalistas, que são na realidade os setores da pequena burguesia, que realmente sofrem com essa apropriação da mais-valia produzida por eles por outros setores que acha ruim a carga tributária.”
Só meia dúzia de liberalecos que acreditam em meia dúzia de capitalistas, que são na realidade os setores da pequena burguesia, que realmente sofrem com essa apropriação da mais-valia produzida por eles por outros setores que acha ruim a carga tributária.”
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