A
inabilidade da esquerda “institucional” frente a adaptação da lógica do capital
é algo realmente curioso: destrói-se quaisquer chances reais de mudanças no
panorama real.
A
legitimação última do capitalismo nunca foi a tal representatividade política
da burguesia face ao Estado – como acreditam os politicistas – mas, sim, a
capacidade produtiva engendrada pelas relações sociais em que o capital exerce
o domínio do metabolismo social, e por último legitimou essas próprias relações
como eternas e necessárias.
O
Estado do bem-estar social que parecia desfigurar ou atenuar o conceito de Karl
Marx desaparece. “O poder executivo do Estado
moderno não passa de um comitê para gerenciar os assuntos comuns de toda a
burguesia.” (Marx e Engels –
Manifesto do Partido Comunista, página 12).
Construído
em grande parte como resposta às lutas sociais vai sendo aniquilado sob o
influxo de uma tremenda ofensiva de um projeto e de uma visão ideológica a que
se deu o nome de neoliberalismo. Essa visão ideológica inclui meritocracia,
individualismo, egoísmo social e a crença no mercado como um fato da ordem
natural das coisas, conceitos que, narcotizando as massas, responde pelo
refluxo das lutas populares. No capitalismo do século XIX crianças de oito anos
faziam jornadas de 14 horas. No do século XXI idosos terão sua força de
trabalho exaurida até a morte porque não poderão pagar previdência privada e
não haverá uma pública.
Marx,
ainda diz: “as relações jurídicas, bem como as formas de
Estado, não podem ser explicadas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral
do espírito humano; estas relações têm, ao contrário, suas raízes nas condições
materiais de existência.” (Prefácio de Contribuição à crítica da
economia política, p. 83)
Com
o fracasso ciclo da social-democracia, já não temos o direito de duvidar da
natureza do escorpião ou de suspeitar da retórica de Marx – os marxistas. O
projeto nacional-desenvolvimentista por essas “esquerdas institucionais”
demonstraram-se insustentáveis até aqui. Mesmo com alguns avanços, a lógica mercantil,
a divisão social do trabalho e a ideologia dominante apagaram a brasa de luz
dessa “nova-democracia”.
Na
obra “A guerra civil na França” Marx
escreveu, sublinhando esse aparelho estatal que, “À medida que os
progressos da moderna indústria desenvolviam, ampliavam e aprofundavam o
antagonismo de classe entre o capital e o trabalho, o poder do Estado foi
adquirindo cada vez mais o caráter de poder nacional do capital sobre o
trabalho, de força pública organizada para a escravização social, de máquina do
despotismo de classe. Depois de cada revolução, que assinala um passo adiante
na luta de classes, revela-se com traços cada vez mais nítidos o caráter
puramente repressivo do poder do Estado” (s/d. p.79).
Em
outra ocasião estes autores afirmam que a burguesia possui “um papel extremamente revolucionário”,
visto que transforma as relações entre os homens em relações comerciais, de
troca. Detentora do poder, a burguesia derrubou a aristocracia e a soberania da
Igreja, estabeleceu a exploração “impudente”, enfim, ela “não pode existir sem revolucionar, constantemente os instrumentos de
produção e, desse modo, as relações de produção e, com elas, todas as relações
da sociedade” (MARX; ENGELS, M. do P.C, pp. 12-3).
Marx
e Engels nos deixam claro que é a propriedade privada o cerne de toda a
contradição entre as classes, da exploração do homem pelo homem. A burguesia
utiliza-se do seu poder político para intensificar a contradição entre capital
e trabalho, tendo em vista que dissemina sua ideologia, a qual é absorvida pelo
proletariado e refletida em produção de riquezas e na maior escravização do
mesmo. Esta realidade só terá um fim com a superação da propriedade privada
pelos proletários, pois apenas esta classe detém esse poder revolucionário por
ser a maior prejudicada pelo ideal capitalista de produção e consumo.
Num
artigo do site Justificando, Márcio
Sotelo Felippe escreveu que “A
experiência do PT [e seus aliados] termina com a tragédia pessoal de seus
quadros. Preferiu o governo em vez do poder. Renunciou definitivamente, ao
contrário do que nos permitia supor o discurso de seus primórdios, à
organização das massas, à conquista do poder político de baixo para cima, nas
ruas, nos sindicatos, nas organizações de base. Governou com políticas de
compromisso com as classes dominantes e sequer formulou – porque precisava ser
confiável nessa política de compromisso e conciliação – o que a
social-democracia europeia conseguiu no pós-guerra: bens sociais, saúde,
educação, habitação, etc. Em um cenário econômico internacional favorável,
limitou-se a aumentar o poder de consumo dos miseráveis, capital político que
se esgotou rapidamente. E os trabalhadores não foram ao enterro de sua última
quimera. Ah, a “ingratidão”, essa pantera… enquanto isso a classe média zumbi
tomou as ruas.”. ¹
Nesse
sentido, me lembro duma passagem de Marx no O Capital: “Quanto mais uma classe dominante é capaz de acolher em seus quadros os
homens mais valiosos das classes dominadas, tanto mais sólido e perigoso é seu
domínio.” (Karl Marx, O Capital, Livro III, pg.
796, Edição da Civilização Brasileira)
O que
significa? Significa que a cooptação e a desmobilização por parte da burguesia
sobre as classes subalternizadas é também o modus
operandi dela frente a luta de classes. Mas os problemas não param por aí.
Qual
o problema atual? Primeiro perdeu-se a perspectiva revolucionária. O Estado
seria na concepção reformista (mesmo que nem sempre se saiba disso) o centro
sob o qual os homens giram em torno a fim de resolver seus conflitos. A luta de
classes, portanto, não se resolveria na superação da propriedade privada dos
meios de produção, condição sob a qual uma classe se coloca acima e contra o
restante da sociedade e em nossa sociedade essa classe é a burguesia – mas,
sim na luta por políticas públicas, espaço e representatividade, que não
alteram em uma grama aqueles fundamentos que engendram o estado atual de
coisas, a crescente pauperização, a miséria, o desemprego estrutural, a crise
estrutural do capital em todas as suas consequências societárias.
Ou
seja, a decadência ideológica penetrando a concepção da própria classe
trabalhadora, neste interior, se fundamenta o oportunismo cada vez mais
exacerbado com a decadência da consciência de classe, fundamentada justamente
naquela autoconsciência genérica, e na consciência por que mediações e
condicionalismos uma classe é em si e para-si uma classe.
A
questão é: se a classe trabalhadora não sabe o que funda a divisão antagônica
entre ela e a burguesia, entre o trabalho e o capital, ela se perde em seu
próprio processo de luta; a consciência de classe vê-se enfraquecida com a
limitação do estabelecimento de fins no interior da própria ordem sociometabólica
do capital, e reproduz essa ordem, mesmo que pense lutar contra ela.
Aí floresce todo o tipo de oportunismo com uma concepção frágil, que não
consegue se mover no interior do parco conhecimento da própria situação de
classe. Em suma, não atinge aqueles fundamentos que residem na propriedade
privada, no capital (em todas as suas formas de manifestação) e no Estado como
produto histórico da sociedade de classes, que precisa ser superado no interior
do processo de transformação do trabalho assalariado em trabalho livremente associado.
Por
fim, a ideia de alguma mudança substantiva pode ocorrer no interior do Estado
(e, isto não significa negar o Estado) é puramente idealista e sempre irá
naufragar pelos imperativos da própria sociedade burguesa. O Estado é um complexo
que tem como fundamento a propriedade privada, sua existência está ancorada na
reprodução sóciometabólica do capital (e é impossível desvincular o Estado
disso), independentemente de política pública, econômica e etc. Essas são
variações no interior da mesma ordem reprodutiva.
A esquerda
“institucional” pode ter a vontade que quiserem (e mesmo a melhor das intenções),
mas sua ação não produzirá nada além da reprodução das mesmas estruturas da
ordem do capital.
Nota:
Nenhum comentário:
Postar um comentário