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sábado, 15 de abril de 2017

Marx e a “esquerda institucional”



A inabilidade da esquerda “institucional” frente a adaptação da lógica do capital é algo realmente curioso: destrói-se quaisquer chances reais de mudanças no panorama real.

A legitimação última do capitalismo nunca foi a tal representatividade política da burguesia face ao Estado – como acreditam os politicistas – mas, sim, a capacidade produtiva engendrada pelas relações sociais em que o capital exerce o domínio do metabolismo social, e por último legitimou essas próprias relações como eternas e necessárias. 

O Estado do bem-estar social que parecia desfigurar ou atenuar o conceito de Karl Marx desaparece. “O poder executivo do Estado moderno não passa de um comitê para gerenciar os assuntos comuns de toda a burguesia.” (Marx e Engels – Manifesto do Partido Comunista, página 12).

Construído em grande parte como resposta às lutas sociais vai sendo aniquilado sob o influxo de uma tremenda ofensiva de um projeto e de uma visão ideológica a que se deu o nome de neoliberalismo. Essa visão ideológica inclui meritocracia, individualismo, egoísmo social e a crença no mercado como um fato da ordem natural das coisas, conceitos que, narcotizando as massas, responde pelo refluxo das lutas populares. No capitalismo do século XIX crianças de oito anos faziam jornadas de 14 horas. No do século XXI idosos terão sua força de trabalho exaurida até a morte porque não poderão pagar previdência privada e não haverá uma pública.

Marx, ainda diz: as relações jurídicas, bem como as formas de Estado, não podem ser explicadas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral do espírito humano; estas relações têm, ao contrário, suas raízes nas condições materiais de existência.” (Prefácio de Contribuição à crítica da economia política, p. 83)

Com o fracasso ciclo da social-democracia, já não temos o direito de duvidar da natureza do escorpião ou de suspeitar da retórica de Marx – os marxistas. O projeto nacional-desenvolvimentista por essas “esquerdas institucionais” demonstraram-se insustentáveis até aqui. Mesmo com alguns avanços, a lógica mercantil, a divisão social do trabalho e a ideologia dominante apagaram a brasa de luz dessa “nova-democracia”.

Na obra “A guerra civil na França” Marx escreveu, sublinhando esse aparelho estatal que, “À medida que os progressos da moderna indústria desenvolviam, ampliavam e aprofundavam o antagonismo de classe entre o capital e o trabalho, o poder do Estado foi adquirindo cada vez mais o caráter de poder nacional do capital sobre o trabalho, de força pública organizada para a escravização social, de máquina do despotismo de classe. Depois de cada revolução, que assinala um passo adiante na luta de classes, revela-se com traços cada vez mais nítidos o caráter puramente repressivo do poder do Estado(s/d. p.79).

Em outra ocasião estes autores afirmam que a burguesia possui “um papel extremamente revolucionário”, visto que transforma as relações entre os homens em relações comerciais, de troca. Detentora do poder, a burguesia derrubou a aristocracia e a soberania da Igreja, estabeleceu a exploração “impudente”, enfim, ela não pode existir sem revolucionar, constantemente os instrumentos de produção e, desse modo, as relações de produção e, com elas, todas as relações da sociedade (MARX; ENGELS, M. do P.C, pp. 12-3).

Marx e Engels nos deixam claro que é a propriedade privada o cerne de toda a contradição entre as classes, da exploração do homem pelo homem. A burguesia utiliza-se do seu poder político para intensificar a contradição entre capital e trabalho, tendo em vista que dissemina sua ideologia, a qual é absorvida pelo proletariado e refletida em produção de riquezas e na maior escravização do mesmo. Esta realidade só terá um fim com a superação da propriedade privada pelos proletários, pois apenas esta classe detém esse poder revolucionário por ser a maior prejudicada pelo ideal capitalista de produção e consumo.

Num artigo do site Justificando, Márcio Sotelo Felippe escreveu que “A experiência do PT [e seus aliados] termina com a tragédia pessoal de seus quadros. Preferiu o governo em vez do poder. Renunciou definitivamente, ao contrário do que nos permitia supor o discurso de seus primórdios, à organização das massas, à conquista do poder político de baixo para cima, nas ruas, nos sindicatos, nas organizações de base. Governou com políticas de compromisso com as classes dominantes e sequer formulou – porque precisava ser confiável nessa política de compromisso e conciliação – o que a social-democracia europeia conseguiu no pós-guerra: bens sociais, saúde, educação, habitação, etc. Em um cenário econômico internacional favorável, limitou-se a aumentar o poder de consumo dos miseráveis, capital político que se esgotou rapidamente. E os trabalhadores não foram ao enterro de sua última quimera. Ah, a “ingratidão”, essa pantera… enquanto isso a classe média zumbi tomou as ruas.”. ¹

Nesse sentido, me lembro duma passagem de Marx no O Capital: “Quanto mais uma classe dominante é capaz de acolher em seus quadros os homens mais valiosos das classes dominadas, tanto mais sólido e perigoso é seu domínio.” (Karl Marx, O Capital, Livro III, pg. 796, Edição da Civilização Brasileira)

O que significa? Significa que a cooptação e a desmobilização por parte da burguesia sobre as classes subalternizadas é também o modus operandi dela frente a luta de classes. Mas os problemas não param por aí.

Qual o problema atual? Primeiro perdeu-se a perspectiva revolucionária. O Estado seria na concepção reformista (mesmo que nem sempre se saiba disso) o centro sob o qual os homens giram em torno a fim de resolver seus conflitos. A luta de classes, portanto, não se resolveria na superação da propriedade privada dos meios de produção, condição sob a qual uma classe se coloca acima e contra o restante da sociedade e em nossa sociedade essa classe é a burguesia  mas, sim na luta por políticas públicas, espaço e representatividade, que não alteram em uma grama aqueles fundamentos que engendram o estado atual de coisas, a crescente pauperização, a miséria, o desemprego estrutural, a crise estrutural do capital em todas as suas consequências societárias. 

Ou seja, a decadência ideológica penetrando a concepção da própria classe trabalhadora, neste interior, se fundamenta o oportunismo cada vez mais exacerbado com a decadência da consciência de classe, fundamentada justamente naquela autoconsciência genérica, e na consciência por que mediações e condicionalismos uma classe é em si e para-si uma classe.

A questão é: se a classe trabalhadora não sabe o que funda a divisão antagônica entre ela e a burguesia, entre o trabalho e o capital, ela se perde em seu próprio processo de luta; a consciência de classe vê-se enfraquecida com a limitação do estabelecimento de fins no interior da própria ordem sociometabólica do capital, e reproduz essa ordem, mesmo que pense lutar contra ela. 

Aí floresce todo o tipo de oportunismo com uma concepção frágil, que não consegue se mover no interior do parco conhecimento da própria situação de classe. Em suma, não atinge aqueles fundamentos que residem na propriedade privada, no capital (em todas as suas formas de manifestação) e no Estado como produto histórico da sociedade de classes, que precisa ser superado no interior do processo de transformação do trabalho assalariado em trabalho livremente associado. 

Por fim, a ideia de alguma mudança substantiva pode ocorrer no interior do Estado (e, isto não significa negar o Estado) é puramente idealista e sempre irá naufragar pelos imperativos da própria sociedade burguesa. O Estado é um complexo que tem como fundamento a propriedade privada, sua existência está ancorada na reprodução sóciometabólica do capital (e é impossível desvincular o Estado disso), independentemente de política pública, econômica e etc. Essas são variações no interior da mesma ordem reprodutiva.

A esquerda “institucional” pode ter a vontade que quiserem (e mesmo a melhor das intenções), mas sua ação não produzirá nada além da reprodução das mesmas estruturas da ordem do capital.


Nota:


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