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quarta-feira, 20 de julho de 2016

Uma nota sobre o mito da doutrinação nas escolas



A despeito da intenção de combater o que identifica como “doutrinação” de alunos por professores, um blog chamado “Escola Sem Partido” – que reúne a nata azeda da direita mais ardilosa e ressentida do país – promove na verdade uma campanha de perseguição contra o pensamento marxista ou, antes, a qualquer coisa que assim lhes pareça adequado classificar, de acordo com parâmetros retirados da mais plena ignorância e/ou da mais rebaixada má-fé. ¹

O astrólogo, diarreico mental e charlatão Olavo de Carvalho, conhecido por suas posições “de direita”, normalmente vinculadas à cultura “letrada” ao qual forma-se uma legião de zumbis com repulsa ao “fantasma vermelho” – comunismo – aderiu fortemente essa ideia também. Isso já mostra o malefício da coisa quando, no senado federal, o autor do projeto é um fanático religioso, além de um burocrata burguês.

O que Olavo se esqueceu de dizer que a educação é, e sempre foi, um ato político. Não foram os “esquerdistas”, ou Paulo Freire, que inventaram isso. Ensinar é um ato político, a despeito de se ter ou não consciência disso. Não apenas os conteúdos que ensinamos, mas forma pela qual o fazemos. A tarefa da escola é justamente tratar da pluralidade de ideias, de visões, etc.

“O desenvolvimento de uma consciência crítica não passa por se colocar à distância das ideologias, mas pelo saber que elas existem, porquê elas estão aí e o que elas dizem, para que o indivíduo possa formar uma posição própria a respeito delas. E isso vai acontecer de um jeito ou de outro, independente das intenções doutrinárias dos pais e dos professores.” – HG Erik.

Acho que as pessoas têm todo o direito de não gostar de Marx ou de Paulo Freire, e de fato há um forte vínculo entre os dois. Mas o legado de Freire vai muito além do marxismo. Aliás, reduzi-lo a ideias comunistas ou doutrinantes é um delírio de quem vê inimigos vermelhos por toda parte. Paulo Freire é uma das grandes referências (se não a maior) da educação brasileira no exterior.

O “Escola Sem Partido” mostra o quanto é risonho e equivocado por diversas razões. A primeira delas é que o próprio conceito de ideologia está não apenas mal-empregado, como invertido. Se não foi o primeiro a pensar sobre, Karl Marx foi, sem dúvidas, o intelectual que mais se debruçou sobre a ideologia para compreendê-la como instrumento de poder num século de importantes transformações. Em A Ideologia Alemã e, depois, em Contribuição à Crítica da Economia Política, o filósofo percebeu que, grosso modo, o principal papel da ideologia era o de naturalizar condições sociais historicamente construídas. É o mecanismo pelo qual, dizia Marx, o capitalismo se faz parecer justo diante do mar de desigualdades por ele provocado.


Na prática, o projeto do Escola Sem Partido pode resultar tanto na criminalização de posições dissonantes em sala de aula quanto por pior: naturalizar elaborações de direita entendidas como neutras. Pois foi exatamente o que Marx concebeu como ideologia. E, verdade seja dita, nada muito diferente de iniciativas que levaram o Ocidente a experiências totalitárias na primeira metade do século XX.

O ‘mito’ da doutrinação é tão sem nexo, que usa até esse bode expiatório da “neutralidade” ou o espantalho delirante sobre o pensamento de Marx. O professor André Azevedo da Fonseca em sua publicação no Facebook, disse:

“Para o pessoal que não trabalha com educação, mas diz que se interessa por educação e está reproduzindo essa teoria da conspiração da "doutrinação nas escolas" por marxistas, sugiro em exercício prático.

Vá em qualquer escola, qualquer uma, na hora da entrada ou da saída. Faça uma enquete com os estudantes. Duas perguntas bastam. Pergunte assim: Qual é o seu maior sonho? Anote as respostas. Sou capaz de apostar que mais de 99% vão dizer variações em torno de: ficar rico, arrumar um emprego, comprar um carrão, viajar, etc. Talvez, se muito, 1% vai dizer: atuar politicamente para fazer um mundo melhor. Confira e depois me diga: qual ideologia está realmente doutrinando as crianças e jovens?

Depois, só para confirmar, pergunte assim: você é capaz de me explicar pelo menos um conceito de Marx. Apenas um, unzinho, dos mais básicos? Anote quantos saberão explicar Marx e quantos vão demonstrar não ter a mínima noção de qualquer conceito dele. Sou capaz de apostar que a totalidade não vai saber explicar, digamos, o que é "mais valia", "superestrutura" ou o que significa "ideologia" para Marx. Aí, com esses dados em mãos, você pode se perguntar: como pode a esquerda estar doutrinando os alunos, mas ninguém sabe explicar nenhum conceito de Marx? E aí vale repensar.”


Além disso, se observarmos o que de fato ocorre nas escolas, fica fácil de perceber que professores que criticam e deturpam Marx, o socialismo e demais alvos da “anti-doutrinação” não estão na exceção, e sim na regra, enquanto defendem o empreendedorismo da venda de balas no sinal em direção ao futuro e certeiro cargo de executivo numa multinacional. ¹

Se tem algo “doutrinante” é isso; legitimar as mazelas da vida em prol de um ideário, e foi justamente nisso que o tão atacado velho barba tratou, junto com seu amigo Engels, n’A ideologia Alemã’. Aliás, logo no prefácio do livro, já se tem a resposta devida à esta falácia de “doutrinação”:


“Até agora, os homens formaram sempre ideias falsas sobre si mesmos, sobre aquilo que são ou deveriam ser. Organizaram as suas relações mútuas em função das representações de Deus, do homem normal, etc., que aceitavam. Estes produtos do seu cérebro acabaram por os dominar; apesar de criadores, inclinaram-se perante as suas próprias criações. Libertemo-los, portanto, das quimeras, das ideias, dos dogmas, dos seres imaginários cujo jugo os faz degenerar. Revoltemo-nos contra o império dessas ideias. Ensinamos os homens a substituir essas ilusões por pensamentos que correspondam à essência do homem, afirma um; a ter perante elas uma atitude crítica, afirma outro; a tirá-las da cabeça, diz um terceiro e a realidade ‘existente’ desaparecerá.” ²


Os sujeitos que escrevem no site ‘Escola Sem Partido’ são explícitos ao pregarem que a “doutrinação” ocorre apenas no pensamento que diverge da verdadeira doutrina, digo, da imaculada concepção – um ideário mal-ajambrado que gravita entre o neoliberalismo e o neoconservadorismo. O delírio é tão grande, pois, tudo que possa ser encaixado na “esquerda” já é motivo de “crítica”.

Esse pessoal é evidentemente doutrinado como uma ovelha de seu “pastor”; é tipo quando um fiel que vê sua fé posta à prova por terceiros, mas ele se nega a enxergar a realidade em prol de sua “ideologia – ou “teologia”.

Assim, como faço aqui no blog, onde é minha trincheira ideológica, estou sempre disposto a ler as contradições e manifestações opostas às minhas, onde os crentes no “deus-mercado” ou algo do tipo não gostam porque, supostamente, ‘matou milhões’ ou porque ‘não dá certo’, a ideologia no qual eles se submetem já os cegaram bastante do conhecimento científico. 

Portanto, achar que há uma “doutrinação ideológica” nas escolas, é no mínimo ser um escravo da vergonha, um ser alienado (na qual a escola tem o dever de libertar dessas amarras), despolitizado, medo do novo, do progresso. A escola já vive sua doutrinação por esses senhores do reino das trevas. Acreditar que existe esse mito é deslegitimar cada vez mais o papel – já decadente – da escola de mudar panoramas sociais, culturais e político na formação de nossos cidadãos!

E, como dizia Voltaire:


“É difícil livrar os tolos das correntes que eles a veneram.”





MARX, Karl e ENGELS, Friedrich, A Ideologia Alemã, pág. 4 e 5, por Fauerbach. ²

4 comentários:

  1. Que texto, amigo, que texto. Eu me indigno toda vez que vejo um idiota falando em "doutrinação marxista" e defendendo o Escola sem Partido. Um bando de marginal da direita que nunca leram nem um texto básico de Marx e contestam o Marxismo como se soubessem tudo. Um retardado da direita bolsonarista comentou que: "nas escolas e universidades só se usa filosofia e sociologia para ensinar marxismo e existencialismo, e que os professores fazem propaganda partidária". Queria só que ele explicasse o que era marxismo e existencialismo, coisa que nunca deve ter lido na vida, mas como belo covarde ele sequer respondeu. Segundo, queria saber onde se encontram essas escolas e universidades com marxismo, porque nunca vi nada de Marx nem nos colégios que estudei, muito menos nas duas universidades. O que os professores falavam em filosofia era do mito da caverna e em sociologia nos explicaram como trabalhar com as pessoas de classe social baixa,pronto,essa foi toda nossa "doutrinaçao marxista". Muito dificil viver nesses tempos de ódio da direita no Brasil. Abraço meu caro.

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    1. Kowa, obrigado pelo comentário.

      É bem isso aí mesmo: cria-se um fantasma e, através dele, elaboram as mais absurdas ideias sem nexo de quem sequer consegue explicá-las.

      De fato, também queria saber onde estão; ainda mais: se, por acaso, houvesse "doutrinação", esta fracassou miseravelmente.

      Abraços.

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  2. Acho que essa gente que segue essa tal falácia de doutrinação, estão muito bem doutrinados. A cegueira é grande.

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  3. infelizmente existe essa doutrinação mas são na minoria das escolas que isso acontece o problema mesmo é universidade públicas na área de humanas.

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